1 Agosto, 2023
Eugénio Rosa faz aqui um balanço aos beneficiários relativo aos 5 anos em que esteve no Conselho Diretivo da ADSE. Com este relato, os beneficiários terão a oportunidade de tirar conclusões sobre as dificuldades, os obstáculos e os desafios que a ADSE enfrenta.

Quando aceitei o cargo, era apenas por 2 anos, mas devido à pandemia e ao atraso na publicação da portaria que regulamenta as eleições na ADSE, acabei por ficar 5 longos anos. Apesar dos inconvenientes a nível pessoal, este longo período teve a vantagem de permitir conhecer bem o “negócio privado da saúde” em Portugal, os grandes grupos privados que o dominam (LUZ, CUF, Lusíadas, F. Champalimaud, TROFA, GHPA), a concentração crescente neste setor e a dizimação dos pequenos e médios prestadores. Também as dificuldades, riscos e desafios que a ADSE enfrenta, os obstáculos criados pelas tutelas (atualmente o Ministério das Finanças e Presidência do Conselho de Ministros) que torna a sua gestão diária um verdadeiro calvário com reflexo na capacidade em responder às necessidades dos beneficiários, causando muita da sua insatisfação.

A ADSE enfrenta problemas e obstáculos graves a nível da sua gestão: desconfiança e a obstrução ao membro do conselho diretivo designado pelos representantes dos beneficiários e os obstáculos contínuos criados pelas tutelas.

O conselho diretivo da ADSE é constituído por 3 membros, sendo 2 nomeados pelo governo e um designado pelos representantes dos beneficiários no conselho geral de supervisão. Enquanto Sofia Portela foi presidente (julho de 2018 a junho de 2020), ela e a representante do Ministério das Finanças sonegavam informação ao membro designado pelos beneficiários e tomavam decisões sem o seu conhecimento. É exemplo o envio aos prestadores de uma nova Tabela de preços para o Regime Convencionado em 21/8/2019 repleta de erros de natureza clínica e a nível de preços provocando o descrédito à ADSE. Essa tabela teve de ser recolhida e alterada sob pena de serem os beneficiários a sofrer as consequências da desassociação dos prestadores mais importantes.

Deste comportamento desonesto dei a conhecer ao conselho geral de supervisão da ADSE (consta de uma ata). Só com o apoio direto de muitos trabalhadores da ADSE, a quem publicamente agradeço, é que foi possível enfrentar esta atitude dos dois membros nomeados pelo governo. As dificuldades de funcionamento a nível do conselho diretivo mantiveram-se até à data em que uma das tutelas da ADSE passou do Ministério da Saúde para a ministra Alexandra Leitão que substituiu Sofia Portela em junho de 2020.

Apesar disso, as dificuldades internas não desapareceram porque se manteve a nomeada pelo Ministério das Finanças, com todos os “tiques” anteriores, pretendendo impor as suas posições (dificultou a cobrança das dividas dos prestadores -regularizações, o diálogo com os prestadores, procurou introduzir “plafonds” e numerosos controlos administrativos com efeitos para os beneficiários, etc.)

A juntar ao ambiente difícil que existia a nível de funcionamento do conselho diretivo, há ainda a acrescentar os obstáculos, para não dizer mesmo, e incompetências das tutelas após a saída da Ministra Alexandra Leitão. Enquanto esta teve a tutela da ADSE houve um relacionamento fácil e muito positivo, contribuindo para a resolução de problemas, de que é exemplo o alargamento da ADSE aos trabalhadores da Função Pública com contratos individuais de trabalho que era uma profunda injustiça e que apesar das insistências junto do Ministério das Finanças, Centeno e Leão nunca tinham permitido.

Com o “novo” governo, e com a saída da ministra Alexandra Leitão, o relacionamento com as tutelas mudou completamente. Passou de uma fase em que a ADSE contava com o apoio de uma tutela, para uma nova fase em que as duas tutelas passaram a criar dificuldades e obstáculos sistemáticos. Umas vezes por incompetência, e outras com o propósito deliberado de criar obstáculos.

A tutela mudou para o Ministério da Presidência do Conselho de Ministros, delegada na Secretaria de Estado da Administração Pública. No início ainda esteve em duas reuniões com o conselho diretivo, mas perante a incapacidade para resolver os problemas e de tomar decisões, a Secretária de Estado decidiu acabar com reuniões e com a comunicação direta com o conselho diretivo da ADSE e “passou” essa responsabilidade para assessores.

A tutela do Ministério das Finanças foi delegada na Secretaria de Estado do Orçamento. A Secretária de Estado nunca esteve numa reunião com o conselho diretivo da ADSE, e tinha como procedimento habitual nunca despachar, salvo raras exceções, assuntos que envolviam despesa (da sua exclusiva competência) ficando indefinidamente os processos parados no seu gabinete. Se não existisse na lei, em relação a determinadas matérias, a aprovação tácita ao fim de 45 dias a gestão na ADSE tornar-se-ia praticamente impossível.

A falta de trabalhadores em áreas críticas, as dificuldades crescentes em a ADSE satisfazer as necessidades dos beneficiários, os obstáculos criados à contratação de trabalhadores, o recurso sistemático a trabalho precário e a aquisição de serviços a empresas privadas Em 2018, a ADSE tinha 184 trabalhadores e o quadro de pessoal era de 242 trabalhadores. No fim de 2022 tinha os mesmos 184 trabalhadores e quadro de pessoal era de 279.  Durante este período entraram para a ADSE mais de 120.000 beneficiários e, em 2024, entrarão mais 220.000 trabalhadores (das autarquias) e familiares. O atual conselho diretivo teve conhecimento deste compromisso do governo pela comunicação social o que mostra a incompetência e irresponsabilidades das tutelas. Esta decisão, a concretizar-se, terá um enorme impacto na ADSE porque: 

• Em 1º lugar, um aumento grande da carga de trabalho para o Regime Livre, pois atualmente todos os procedimentos são feitos pelas autarquias. Se o número de trabalhadores da ADSE não aumentar, determinará certamente atrasos significativos nos reembolsos a todos os beneficiários deste Regime. É evidente que nenhum beneficiário ficará tranquilo com esta previsão futura e a insatisfação poderá aumentar.

• Em 2º lugar em termos financeiros, ou seja, na sustentabilidade financeira da ADSE porque esta deixará de receber cerca de 47 milhões € por ano de reembolsos das autarquias em relação ao Regime Convencionado, e passará pagar a despesa do Regime Livre destes beneficiários, estimada em mais de 30 milhões€/ano, até aqui tem sido suportado pelas autarquias.

O governo e, nomeadamente, as tutelas têm-se recusado aprovar um sistema de contratação mais flexível para e recusado, também, todas as propostas que o conselho diretivo tem feito. O sistema de contratação burocrático da administração publica impede a contratação de mais trabalhadores. A ADSE já o experimentou por duas vezes e o resultado foi praticamente NULO.

Em relação a técnicos superiores: em 2019, o Ministério das Finanças decidiu concentrar a contratação de técnicos superiores de toda a Administração Central abrindo um megaconcurso visando a contratação de 1000. Inscreveram-se mais de 20.000 candidatos. E dos 1000 necessários só conseguiu, ao fim de 2 anos, selecionar 650, e mesmos estes a maioria esmagadora não tinham as competências mais críticas que a Administração Publica necessita. Dos 12 pedidos, a ADSE só recebeu 2, e um desistiu antes de começar a trabalhar na ADSE.

Em relação a assistentes técnico: abriu um concurso para a contratação de 25, inscreveram-se mais de 2000, ao fim de 2 anos ainda não tinha conseguido fazer o concurso por falta de meios para cumprir todas as fases de seleção exigidas num concurso publico, e foi obrigado a desistir e a fechar o concurso sem ter conseguido contratar um único trabalhador.

Na Administração Pública existe um sistema perverso designado “mobilidade” em que os serviços “roubam” trabalhadores uns a outros, a que acresce a concorrência desleal, já que há serviços do Ministério das Finanças (ex. AT) que “oferecem” mais de 14 meses de remunerações aos seus trabalhadores, permitindo atrair os mais competentes dos outros serviços. E ninguém põe um travão a esta concorrência desleal.

A ADSE já apresentou várias propostas ao governo para atenuar as consequências deste grave problema com consequências negativas para os beneficiários e para a própria a ADSE que se a traduz nos atrasos dos reembolsos aos beneficiários no Regime Livre (45 dias a 2 meses). Entre essas propostas destaco duas que tornam claro o boicote que as tutelas fazem à gestão da ADSE.

Para tornar a contratação de trabalhadores mais flexível o conselho diretivo da ADSE solicitou que, pelo menos, fosse dada à ADSE o estatuto de empresa publica, o que o governo recusou.

A ADSE solicitou às tutelas que fosse alterado o nº1 do art.º 20º do Estatuto de pessoal dirigente da Administração Pública (Lei 2/2004) que impõe que só podem ser nomeados para cargos de direção intermédia trabalhadores com CTFP, impedindo que os CIT de ocupar tais cargos. Esta imposição é um anacronismo e uma injustiça porque atualmente a maioria dos trabalhadores que entram para a Administração Pública são CIT. Esta proposta foi apresentada à Secretária de Estado da Administração Pública que se recusou fazê-la ao governo.

Semelhante boicote à gestão da ADSE tem sido feito pela Secretária de Estado do Orçamento. Desde outubro de 2022 que está no seu gabinete um pedido de transferência por cedência de interesse público de um médico do Hospital do Algarve para ADSE e a Secretária de Estado recusa-se a assinar o despacho. Por esta razão a ADSE está desde julho de 2022, sem diretor do Departamento de Consultoria clínica com consequências graves para os beneficiários, pois é este departamento que elabora as informações clínicas que permitem aprovar cirurgias e medicamentos. Também, fragiliza a ADSE perante os prestadores que têm direções clínicas com médicos competentes.

É importante que os beneficiários conheçam estes boicotes e estes obstáculos que o governo tem feito de uma forma sistemática à gestão da ADSE, até para pedir responsabilidades, pois constituem um autêntico desafio à sobrevivência e continuidade da ADSE.

Para suprir a enorme falta de trabalhadores a ADSE tem recorrido sistematicamente à compra de “pacotes” de dezenas de milhares de horas a empresas de trabalho temporário que depois contratam trabalhadores precários a quem pagam salários de miséria. Em 2023, a ADSE está a pagar à empresa de trabalho temporário 5,90€/hora, por imposição do Ministério da Finanças (obriga a contratar a empresa de preço mais baixo). Imaginem o que empresa paga ao trabalhador? É uma vergonha, e devia ser uma grande vergonha para um governo que diz que ter uma agenda de trabalho digno.

A ausência de condições de trabalho dignas na ADSE, a queda da produtividade, as rendas leoninas pagas ao Estado pelos edifícios que utiliza, e a oposição do Conselho Geral de Supervisão e do governo à compra de um edifício.

Atualmente a ADSE arrenda dois edifícios que ocupa na Praça de Alvalade e paga 701.780€ por ano de rendas à empresa do Estado, a ESTAMO. O contrato leonino que foi imposto obriga a ADSE a pagar também todas as despesas de conservação dos edifícios e as alterações impostas por lei.

Em 2023, a ADSE terá de suportar a colocação de portas antifogo impostas por lei, cujo orçamento é superior a 650.000€. Paga também por ano 160.956€ a um privado por um armazém por ausência de espaço nos edifícios para guardar arquivos. Os edifícios não têm condições para acomodar nem mesmo os atuais 184 trabalhadores. Vários trabalhadores que pretendiam vir para a ADSE, utilizando a mobilidade, quando viram as condições em que teriam de trabalhar, desistiram. Neste momento, a “solução” tem sido o recurso ao “teletrabalho” em que estão dezenas de trabalhadores causando uma desorganização e a redução da produtividade de vários serviços e dificuldades à gestão com consequências negativas para os beneficiários.

É necessário criar condições dignas de trabalho a fim de se poder reverter esta situação.

Com esse objetivo o conselho diretivo empenhou-se em procurar o edifício adequado e encontrou-o na Av. José Malhoa. Uma zona de fácil acesso (metro e com garagem com várias dezenas de lugares) que permitiria acomodar num único edifício todos os serviços das ADSE, incluindo as juntas médicas, em condições de segurança e oferecer a todos os trabalhadores, não só os 184 existentes, mas aos 279 que constituíam o seu quadro de pessoal, condições dignas de trabalho.

O edifício custava 27,1 milhões € que, com as rendas e as despesas de conservação atuais, em 20 anos ficaria totalmente amortizado. A ADSE deixaria de pagar rendas leoninas que aumentam todos os anos, e no fim dos 20 anos o edifício valeria certamente mais do dobro.

Para que os beneficiários possam ter uma ideia da desvalorização (poder de compra) dos saldos que a ADSE tem obrigatoriamente depositados no IGCP (banco do Estado), interessa dizer o seguinte: em 2022, o IGCP pagou à ADSE pelos depósitos que estavam nele – cerca de 800 milhões € – a uma taxa de juro de apenas 0,1%. Se tomarmos como base a inflação – 7,8% – a ADSE perdeu 52 milhões €, ou seja, com aquele montante adquire em 2023 menos 52 milhões € de cuidados de saúde para os seus beneficiários. E vai continuar a perder em 2023, pois a taxa juro paga pelo IGCP aumentou para apenas 2,2% e a inflação este ano deve-se situar pelo menos entre 5% e 6%.

Enquanto estive no conselho diretivo da ADSE sempre me empenhei e lutei para que a ADSE fizesse tal investimento pois, para além de ser indispensável para dar aos trabalhadores condições dignas de trabalho e atrair mais era um investimento que valorizaria as poupanças dos beneficiários e permitiria melhorar os serviços a eles destinados. Com a minha saída, e devido à posição do conselho geral de supervisão, incluindo a oposição dos representantes dos beneficiários, em sintonia com o governo, que pretende que a ADSE continue a pagar com os descontos dos trabalhadores rendas leoninas ao Estado, a ideia de aquisição do edifício foi abandonada. O governo vai continuar a usufruir dos dinheiros da ADSE a baixo custo.

Como foram obtidos os 1000 milhões € depositados no IGCP, a situação financeira da ADSE atual e futura, e a segurança que representa aquele valor para enfrentar o futuro.

Um dos argumentos mais utilizados por aqueles que reivindicam a redução do desconto de 3,5% para 1,5% e de 14 meses de descontos para 12 meses, é o facto da ADSE ter acumulado 1000 milhões €. É importante analisar, por um lado, como se acumulou 1000 milhões € e, por outro lado, o que aconteceria se o desconto dos trabalhadores e aposentados fosse reduzido para 1,5% e para 12 meses sem financiamento do Estado.

E é necessário falar verdade e sem populismos confrontando os beneficiários com a verdade para que possam tomar decisões devidamente informados. Para se poder compreender a razão por que se acumularam os 1000 milhões € comece-se por observar os dados do quadro 1, que são das contas anuais da ADSE.

Quadro 1 – Despesas de Saúde com os Regimes Convencionados e Livre e receitas de descontos dos trabalhadores e aposentados 2016/23

O excedente anual da ADSE, resultante da diferença entre as receitas dos descontos dos trabalhadores e aposentados MENOS as despesas suportadas com o Regime Convencionado e o Regime Livre variou entre 37,5 milhões € (2017) e 166 milhões € (2020, ano em que a pandemia COVID teve o seu ponto mais alto verificando-se uma quebra muito significativa da utilização dos serviços de saúde privados financiados pela ADSE). Os efeitos da COVID ainda se fizeram sentir em 2021 e 2022, prevendo-se em 2023, um regresso à normalidade com um aumento significativo da despesa. Mas para além das despesas com o financiamento de cuidados de saúde dos Regimes convencionado e Livre, a ADSE ainda tem ainda de suportar outras despesas (com os trabalhadores: 5,1 milhões € em 2022, com aquisições de serviços: 4,4 milhões € em 2022; etc.).

Apesar de todas estas despesas, para além das com o Regime Convencionado e Livre, os resultados líquidos anuais da ADSE, de acordo as contas anuais apresentadas, foram os seguintes:

• 2016: 87,3 milhões €;

• 2017: 76,9 milhões €;

• 2018: 45,7 milhões €;

• 2019: 102,6 milhões €;

• 2020: 196,9 milhões €;

• 2021: 153,6 milhões €;

• 2022: 156,7 milhões €

• E a previsão para 2023, constante do orçamento para este ano, é já de 96,2 milhões €.

Estes resultados incluem as “regularizações” ainda não cobradas (91 milhões € principalmente de grandes prestadores). Há ainda as dividas, algumas antigas, do Estado e Regiões Autónomas à ADSE (241,3 milhões €) que se recusam pagar.

A questão que interessa esclarecer é a seguinte: como é que a ADSE apresenta “Resultados Líquidos Anuais” superiores aos “Excedentes” (DESCONTOS menos DESPESAS com Regimes convencionado e livre), quando nos “Excedentes” não estão incluídas a totalidade das despesas da ADSE (pessoal, aquisições de serviços, etc.).

A resposta é a seguinte: excetuando os anos de impacto do COVID (2020, 2021, e 2022), em que a pandemia reduziu significativamente a utilização de serviços de saúde pelos beneficiários, e isso determinou um aumento anormal dos Resultados Líquidos, os RESULTADOS LIQUIDOS foram possíveis em todos os anos porque os trabalhadores das autarquias descontam para a ADSE (os seus descontos são atualmente receitas da ADSE) mas as autarquias suportam as despesas do Regime Convencionado e do Regime Livre dos seus trabalhadores. Em relação ao Regime Convencionado, a ADSE paga primeiro e depois as autarquias reembolsam a ADSE (entre 40 milhões € e 47 milhões € por ano). E em relação ao Regime Livre as autarquias reembolsam diretamente os seus trabalhadores (estima-se 30 milhões € por ano).

Em 2024, segundo os órgãos de comunicação social, o governo comprometeu-se a que as autarquias deixariam de reembolsar a ADSE das despesas do Regime Convencionado dos seus trabalhadores, e as despesas do Regime Livre dos trabalhadores das autarquias, passariam a ser suportadas integralmente pela ADSE. Este compromisso do governo, que não foi comunicada ao conselho diretivo da ADSE, a concretizar-se, terá um impacto financeiro significativo – na sustentabilidade que estimo à volta de 80 milhões € (perda de receita de reembolsos mais despesa com o Regime Livre dos trabalhadores das autarquias). O “Resultado líquido” previsto para 2023 praticamente desapareceria em 2024 até porque a despesa com serviços de saúde está a crescer muito este ano.

O impacto da redução do desconto de 3,5% para 1,5% e dos 14 para 12 meses na sustentabilidade da ADSE

Tendo como base os montantes de descontos de 2022 (703,5 milhões €), o quadro 2 mostra os resultados nas receitas de descontos resultantes da diminuição dos descontos de 3,5% para 1,5% e de 14 meses para 12 meses.

Quadro 2- Efeitos a nível de receita de descontos a alteração da taxa de desconto e do número de meses de descontos

A redução da taxa de desconto de 3,5% para 1,5% determinaria uma diminuição dos descontos (receita) de 703,5 milhões € para 301,5 milhões €, menos de metade. E se acrescentássemos a isso uma redução de 14 para 12 meses de descontos para a receita diminuiria para apenas 258,4 milhões € por ano. Insustentável para a ADSE.

Para concluir isso basta comparar aquele valor com a despesa dos Regimes Convencionado mais a do Regime Livre de 2022 (577,5 milhões €). É evidente que com uma receita de apenas 258,4 milhões € (36,7% da atual) e sem qualquer contribuição/financiamento dos serviços empregadores públicos, a ADSE não se aguentaria, a não ser que todos os beneficiários (incluindo os 350.000 familiares) começassem a contribuir à semelhança do que acontece em qualquer seguro e que se diminuísse significativamente os benefícios concedidos, aumentando significativamente os copagamentos e impondo limites de despesa máxima financiada (plafonds) aos beneficiários, à semelhança do que acontece nos seguros de saúde.

Por ex., a ADSE teria de deixar de financiar a 100% a oncologia, as próteses, etc. Mesmo que se mantenha o desconto de 3,5% e os 14 meses, mas se se concretizar em 2024 o compromisso que o governo parece ter assumido com a Associação dos Municípios e a ADSE começar a suportar a totalidade das despesas de saúde dos trabalhadores das autarquias (até aqui suportados por elas), os resultados líquidos positivos provavelmente desaparecerão.

A única segurança que ainda têm os beneficiários, é o saldo acumulado de 1000 milhões €, que suportaria eventuais défices durante alguns anos, mas os 1000 milhões € estão a perder poder de compra porque o governo quer ter ao seu dispor esse dinheiro a baixo custo (a uma taxa de juro muito inferior à inflação).

Há ainda a juntar que foi encomendado a uma empresa do Estado sem experiência na área – PLANAPP – e a Jorge Bravo, defensor das empresas de fundos de pensões, o estudo de sustentabilidade da ADSE. É de prever que proponha cortes significativos nos benefícios. São desafios e riscos futuros. Fica o alerta.

A obrigação do estado financiar a ADSE à semelhança do que acontece em Espanha com o “MUFACE”

Em 2022, os trabalhadores e os aposentados descontaram para a ADSE 703,5 milhões €. E a previsão para 2023 é de 720,8 milhões €. A estimativa que faço, tendo em conta o crescimento no 1º semestre de 2023, é de 745 milhões €. É um corte brutal nos baixos rendimentos dos trabalhadores e aposentados.

Quem conheça o processo que levou o governo de Passos Coelho/Portas a acabar com o financiamento da ADSE pelo Estado sabe que foi “uma imposição da troika”, como o Secretário de Estado afirmou numa reunião com os sindicatos da Função Pública. Confrontei o então Secretário de Estado nesta reunião, por que razão era 3,5% e não 2% , e perguntei se o governo tinha feito cálculos. Acabou por confessar que o governo não tinha feito e que era uma decisão da “troika”, por isso não discutia. Pedi-lhe que me fornecessem dados que eu próprios faria os cálculos, o que aconteceu, tendo concluído que 3,5% era excessivo para despesa com cuidados que a ADSE na altura suportava, o que foi confirmado mais tarde pelo Tribunal de Contas.

A ADSE faz parte do Estatuto laboral dos trabalhadores da Administração Pública. Para além das remunerações, têm direito a serviços de saúde próprios financiados pelo Estado. É um direito adquirido. A própria comissão nomeada pelo ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, em 2016, presidida por Pita Barros, para apresentar uma proposta de reforma da ADSE reconheceu isso. Este governo gaba-se de estar empenhado em reverter as malfeitorias da “troika” e do governo PSD/CDS razão pela qual era justo que também revertesse esta.

Os trabalhadores e aposentados da Administração Publica pagam duas vezes para a saúde. Uma 1ª, como qualquer português, através dos seus impostos financiando o SNS. E, em 2º lugar, pagam para a ADSE 3,5% das remunerações e pensões. A ADSE tem cerca de 1,3 milhões de beneficiários. Todos os anos cerca 500.000 beneficiários utilizam o Regime Livre e mais de 600.000 o Regime Convencionado. Se não existisse ADSE teriam de recorrer ao SNS. A ADSE poupa ao SNS (Estado) 600 milhões € de despesa por ano e evita que mais de um milhão de portugueses sobrecarreguem o SNS que já está incapaz de responder às necessidades dos portugueses.

Se o governo acabar com o financiamento das autarquias, poderá pôr em causa a sustentabilidade da ADSE e terá de a apoiar se não quiser que o SNS enfrente uma crise muito maior que a atual. Eis mais um desafio, que a ADSE e os beneficiários, poderão ter de enfrentar.

Não é inédito na Europa a existência de serviços saúde para os funcionários públicos financiados pelo Estado. Basta olhar para a vizinha Espanha, onde 70% das despesas do MUFACE, a entidade congénere da ADSE, é financiado pelo Estado. A própria banca financia os serviços de saúde dos seus empregados.

A proposta do PSD/Montenegro de abrir a ADSE a todos, para além de violar o Estatuto laboral da Função Pública levaria à destruição da ADSE com as características que tem. Basta pensar um pouco: entrariam trabalhadores com salários e descontos mais baixos e com idade mais elevada cujos custos de saúde são o dobro.

O regime convencionado da ADSE, a concentração crescente no setor privado da saúde, a dizimação dos pequenos médios prestadores, a chantagem/pressão sobre a ADSE e o aumento dos preços da saúde

A tabela do Regime convencionado da ADSE tem deficiências que têm de ser corrigidas. Foi elaborada por dois membros do conselho diretivo nomeadas pelo governo (Sofia Portela e Eugénia Pires) que sem conhecimentos clínicos recusaram criar um grupo interdisciplinar com médicos e chefias da ADSE como eu defendia.

Os preços foram ainda corrigidos com a entrada da nova presidente em julho de 2020, mas os erros de base continuaram. Em vez de utilizar as designações da Tabela da Ordem dos Médicos (TOM) foram criadas diferentes designações para os atos médicos que uns prestadores interpretam de uma forma e outros de outra, tornando o controlo da despesa, do consumo excessivo e fraude muito mais difícil de controlar por parte da ADSE.

Constam da Tabela da ADSE atos médicos que já não se realizam e outros que se realizando não constam da Tabela. Há ainda problemas de harmonização de atos médicos. É necessária uma reestruturação da Tabela do Regime convencionado aproximando-a da nova Tabela de designações da Ordem dos Médicos, que ainda não tem valores de “K”, para tornar o diálogo entre prestadores e ADSE mais fácil e entendível, e para permitir à ADSE um controlo verdadeiramente eficaz.

É um trabalho que terá de ser feito de uma forma gradual, por um grupo interdisciplinar, para não se cometerem os erros do passado. Até porque a ADSE está a sofrer uma pressão/chantagem crescente dos grandes grupos de saúde, cujo poder de mercado aumentou muito em alguns distritos (ex. Lisboa e Porto), resultante da crescente concentração registada no setor privado da saúde, devido à dizimação ou absorção dos pequenos e médios prestadores pelos grandes grupos de saúde (LUZ, CUF, LUSIADAS, Fundação Champalimaud, TROFA, GHPA), alguns deles Já controlados por grupos estrangeiros.

Para se ter uma ideia desta pressão crescente importa referir que imediatamente após a ADSE ter atualizado, no inicio de 2023, os preços do Regime Convencionado, muitos deles nomeadamente, os grupos LUZ e CUF apresentaram à ADSE extensos cadernos reivindicativos com atos médicos que incluía cirurgias e tratamentos caros, exigindo um aumento ainda maior dos preços já pagos pela ADSE informando que, caso não fosse aceite retirariam esses atos das convenções e os beneficiários teriam de os pagar em Regime Livre, portanto a preços livremente fixados por eles.

Para que os beneficiários possam ficar com uma ideia clara do grau de concentração no setor privado de saúde, do poder de mercado dos grandes grupos de saúde, e da pressão que fazem sobre a ADSE para aumentar os preços, interessa que conheçam e reflitam sobre os valores faturados à ADSE em 2022. O quadro 3 mostra isso.

Quadro 3 – Despesa total da ADSE em 2022 no Regime convencionado e valores faturados pelos maiores grupos

Como mostra o quadro 3, os oito maiores grupos da saúde faturaram à ADSE, só no Regime Convencionado, 269,5 milhões € em 2022, o que corresponde a 65,9% da despesa total da ADSE nesse ano e nesse regime.

Esta situação é uma moeda com duas faces: por um lado, revela um elevado grau de dependência da ADSE em relação a eles, o que possibilita uma grande pressão e mesmo chantagem por parte destes grupos procurando sujeitar a ADSE aos seus interesses (por ex. impondo preços excessivos); e, por outro lado, a outra face da moeda que não pode ser desvalorizada nem esquecida, é a elevada dependência destes grupos, para sobreviver e desenvolver-se (em alguns distritos se não tivessem convenções com a ADSE desapareciam) e que é importante utilizar para impor preços justos e condições justas evitando a total submissão da ADSE aos interesses destes grupos.

É importante que os beneficiários tenham o conhecimento (a razão da divulgação destes números) desta situação para poderem apoiar a ADSE e enfrentar com firmeza a pressão/chantagem de alguns destes grupos.

Esta crescente concentração está a dificultar a assinatura de mais convenções com outros prestadores:

• 80 em 2021,

• 40 em 2022

• e para 2023 estão previstas apenas 20.

É mais um desafio que a ADSE e beneficiários terão de enfrentar a curto prazo já que se está a verificar um aumento rápido da despesa no 1º semestre de 2023 no Regime Convencionado quando comparado com igual período de 2022, exigindo medidas urgentes e firmes. É fundamental que o conselho diretivo tenha o apoio firme dos beneficiários e representantes.

Perante esta realidade há quem defenda que a ADSE deverá passar a ser também prestadora de serviços, criando os seus próprios serviços. Quando entrei na ADSE fui confrontado com uma proposta semelhante. Na altura era adquirir ações do Hospital da CVP. Depois de estudar seriamente a questão opus-me levando ao abandono de tal solução. O Hospital da CVP foi adquirido pela Santa Casa de Misericórdia de Lisboa e revelou-se depois um “grande buraco” como tinha previsto. É necessário a ADSE não se meter em aventuras desta natureza sem antes a estudar a sério. É uma hipótese que, a meu ver, pode ser estudada face ao comportamento dos grandes grupos privados de saúde.

Os custos que o regime livre tem para os beneficiários e para a ADSE, o facto de não ser atualizada desde 2004, os riscos e os desafios que enfrenta a sua atualização

Para além dos descontos que fazem para a ADSE (703,5 milhões € em 2022) e dos copagamentos no Regime convencionado (110 milhões € 2022), os beneficiários ainda têm de suportar despesa no Regime livre. (quadro 4).

Quadro 4 – Valores pagos aos prestadores no Regime Livre e valores depois reembolsados pela

Como revela o quadro 4, no período 2019/2022, os beneficiários pagaram diretamente aos prestadores no Regime Livre.

1.320 milhões € e foram reembolsados em apenas 591 milhões € (44,8%) suportando no mesmo período 728 milhões € (55,2%) do que pagaram.

Por outras palavras, tiveram de pagar em média por ano 330 milhões € e foram reembolsados em média por ano em apenas 148 milhões €, suportando do seu bolso em média por ano 182 milhões €.

Se somarmos os 703,5 milhões € de descontos mais 110 milhões € de copagamentos no Regime Convencionado mais 208 milhões € do Regime livre obtém-se 1021,5 milhões € pagos pelos beneficiários em 2022.

E isto para além dos impostos que pagam, como qualquer português também para o SNS.

O desafio e o risco que enfrentam os beneficiários, para os quais os alerto é o da tabela do Regime Livre que não é atualizada desde 2004, e que é necessário atualizar, até para acabar com o escândalo da fraude nos transportes. Alguns membros do conselho diretivo anterior defendiam que os reembolsos neste Regime deviam ser iguais aos encargos da ADSE no Regime Convencionado para idênticos atos o que, em muitos casos, determinaria uma redução dos atuais reembolsos não atualizados desde 2004. Foi devido à minha firme oposição porque tal solução prejudicava os beneficiários não avançou porque em muitas especialidades e regiões do país os beneficiários não têm alternativas no Regime Convencionado ou porque não existem convenções ou porque os médicos com maior experiência e qualificação não aceitaram fazer convenções com a ADSE. É uma questão muito sensível que merece grande atenção e não deve ser resolvida sem um debate sério com os representantes dos beneficiários.

Estudo do Eugénio Rosa – Economista – julho 2023