30 Maio, 2023
Expomos a manipulação do orçamento do SNS para enganar os portugueses.

O estrangulamento financeiro do SNS mantém-se em nome da “política de contas certas”.

O Ministro da Saúde afirmou que o orçamento aprovado para 2023 “é exigente, mas vai chegar para responder às necessidades do país, e que estava satisfeito” (ANTENA 1, 28/11/2022).

Só a ignorância ou então a intenção deliberada de enganar os portugueses é que podia levar Manuel Pizarro a fazer esta afirmação. Bastava que tivesse analisado a execução dos orçamentos do SNS dos anos anteriores, e que perdesse algum tempo a analisar o de 2023, sempre com saldos globais negativos, para concluir que não é verdadeira a sua afirmação.

Uma das habilidades/manipulações sistemáticas do governo para enganar a opinião publica é comparar o total das despesas correntes do orçamento aprovado não com as do executado no ano anterior, mas com as do orçamento inicial do ano anterior que são sistematicamente inferiores às do executado devido à suborçamentação crónica do SNS.

Mas mesmo essa artimanha não salva o ministro, como ficará claro. Os problemas graves que tem enfrentado o SNS este ano, com promessas que não se cumprem e com o recurso crescente aos privados, desmentem as afirmações do ministro.

A ilusão que se pretendeu criar com a nomeação do diretor executivo para o SNS, que o iria “salvar”, já se transformou num enorme “flop”.  Não há milagres. O problema do SNS não é apenas um problema de organização, responsabilização e competência. É também um problema de falta de dinheiro e de meios, contrariamente ao que afirma o governo, os seus defensores e Pita Barros.

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Orçamentos iniciais sempre insuficientes

No início e no fim, o governo apresenta saldos negativos, o que prova que há subfinanciamento crónico que está a destruir o SNS e a promover o negócio privado da saúde.

Uma análise comparativa entre o orçamento aprovado no início de cada ano com o executado mostra a suborçamentação crónica a que tem sido sujeito o SNS, e que está a destrui-lo em nome de uma “politica de contas certas”.

O quadro 1, com dados dos orçamentos aprovados no início de cada ano (colunas a amarelo) e com os valores finais da execução (colunas a laranja), para poder funcionar da forma deficiente que os portugueses conhecem, dá uma ideia dos enormes saldos negativos que tem tido todos os anos.

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Quadro 1 – Orçamento inicial do SNS aprovado, o que depois foi executado e os enormes défices finais – 2016/2023
eugenio rosa - 30052023 - tabela 1

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A simples observação do quadro 1 (dados do Ministério das Finanças) revela que todos os anos, com exceção apenas de 2020, todos os orçamentos iniciais do SNS (os aprovados no início de cada ano) apresentavam logo à partida saldo globais negativos, ou seja, os recebimentos previstos eram inferiores aos gastos previstos em cada ano em centenas de milhões euros.

No período de 2016 a 2023, a soma dos saldos totaliza -2602 milhões de euros negativos. Mesmo em 2023, o orçamento aprovado apresenta um elevado saldo negativo de -498 milhões de euros. E, caso considerarmos os saldos não dos orçamentos aprovados no início de cada ano, mas os da execução de cada ano, a sua soma, no período 2016/2022, atinge o enorme valor de -4664 milhões de euros negativos, o que dá bem a ideia da dimensão do estrangulamento financeiro do SNS que está a causar a sua destruição gradual.

Se comparamos o total de despesas correntes previstas no orçamento para 2023 (13322 milhões de euros) com o gasto (executado) em 2022 (12845 milhões de euros), o aumento é de apenas 3,7% (se fosse com o inicial era +4,3%), valor inferior à inflação prevista. E Manuel Pizarro tem a desfaçatez de afirmar que o orçamento de 2023 “vai chegar para responder às necessidades do país”. Será que a mentira se tornou uma prática corrente deste governo?

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A enorme dívida do SNS a fornecedores privados

O SNS só consegue continuar a funcionar endividando-se e obrigando a custos acrescidos, por aproveitamento dos fornecedores, que inflacionam os preços.

O gráfico 1, construído com dados do Portal de transparência do SNS, mostra o endividamento expressivo e a dependência do SNS aos fornecedores privados que aproveitam o poder para aumentar os preços pelos atrasos.

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eugenio rosa - 30052023 - tabela 2

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Em dezembro de 2022, a dívida do SNS a fornecedores privados tinha atingido 1618 milhões de euros e, em março de 2023, apenas 3 meses depois, já atingia 1780 milhões de euros (+162 milhões de euros), superior à de dezembro de 2015 (ano em que o primeiro governo de António Costa tomou posse, substituindo o governo de Passos Coelho/Portas) em mais 343 milhões de euros.

E os valores de março de 2023 não incluem a totalidade da dívida (alguns hospitais não tinham disponibilizado, ainda, os seus valores). Isto representa custos elevados para o SNS, que tem de pagar mais pelo que adquire, já que os fornecedores fazem-se pagar pelos atrasos.

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A perda de poder de compra dos profissionais de saúde, o agravamento das suas condições de vida, a fuga para o privado e/ou estrangeiro

O orçamento do SNS de 2023 não resolve. Como consta das duas últimas colunas à direita do quadro 1, as “Despesas com Pessoal” representaram, em 2022, 5328 milhões de euros, e para 2023 estão orçamentados apenas 5451 milhões de euros (+ 2,3%).

Em “Remunerações certas e permanentes”, em 2022 somaram 3475 milhões de euros e, para 2023, estão apenas orçamentados 3583 milhões de euros (+3,1%).

Com uma inflação que se estima que em 2023 seja superior a 5%, é fácil de concluir que os profissionais de saúde, à semelhança do que acontecerá a todos os trabalhadores da Administração Pública, vão continuar a perder poder de compra, a não ser que o Orçamento do SNS aprovado no início do ano seja reforçado significativamente.

Os valores orçamentados não permitem qualquer alteração significativa nas condições de remuneração destes profissionais.

Em vez de os atrair, o que se está a fazer é “expulsá-los” para o setor privado ou para o estrangeiro. A habilidade/manipulação de empolar o orçamento do SNS com um valor elevado para investimento (753 milhões de euros em 2023 – quadro 1) que depois não se realiza (em 2022 estavam orçamentados 509 milhões de euros e só se realizaram 230 milhões de euros, ou seja, 45% – quadro 1), está a causar a degradação das condições de trabalho dos profissionais de saúde e a contribuir para a sua fuga.

Como consequência da “politica de contas certas”, as remunerações dos profissionais de saúde sofreram uma forte erosão com a inflação e o IRS, e o orçamento para 2023 não permite inverter esta situação, apesar do discurso palavroso e incoerente de Pizarro de que o orçamento “vai chegar para responder às necessidades do país”.

A mentira não altera a realidade.

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Quadro 2 – A variação do poder de compra da remuneração media líquida dos profissionais de saúde entre 2011/2023
eugenio rosa - 30052023 - tabela 3

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Entre 2011 e 2023, as remunerações líquidas dos profissionais de saúde vão sofrer uma redução no seu poder de compra, devido à inflação e ao IRS, que varia entre -10,4% e -23,1% se o orçamento do SNS não for reforçado. Como é possível reter e atrair profissionais de saúde para o SNS tratando-os desta maneira?