30 Maio, 2025
Uma reflexão a propósito do Dia Mundial da Criança
Assinala-se a 1 de junho o Dia Mundial da Criança. Todas são crianças! Mas com existências e destinos muito diferentes.

Assinala-se a 1 de junho o Dia Mundial da Criança e, em muitas partes do mundo, incluindo no nosso próprio país, veremos imagens de crianças felizes, a brincar e a sorrir.

Haverá presentes, beijos, abraços e olhares embevecidos. Serão ouvidas frases icónicas como “foi o melhor que me aconteceu”, “para mim/para nós são tudo” ou ainda “por ele/ela/eles, eu daria a minha vida”.

E a vida continuará!

Noutras partes do mundo, o Dia Mundial da Criança não terá festejos, nem beijos, nem abraços, nem presentes e, provavelmente, até, já ninguém para “dar a vida por eles”.

Em muitas partes do mundo, as crianças continuarão confinadas aos centros de refugiados, e muitas pensarão que aquele será o Mundo porque não conheceram outra realidade.

Outras, na esperança de os seus pais cumprirem o sonho de lhes dar uma vida melhor, estarão a caminhar, a fazer longas travessias terrestres, enquanto outras estarão num frágil barco a fazer travessias marítimas.

Uns e outros apenas almejam, um dia, festejar o Dia Mundial da Criança com os abraços, os beijos e a dignidade humana daqueles outros.

Em qualquer tragédia, seja ela natural – terramotos, inundações, seca, pandemias, etc. –, ou promovida pelo homem, como as guerras e as económicas, são sempre os mais vulneráveis que mais sofrem e, neste grupo, em especial as criança, pela sua natural dependência.

Ouvi, numa Assembleia Mundial da Saúde, um Professor de uma universidade dizer relativamente ao tráfico: “se for preciso um milhão de dólares para comprar droga, basta um telefonema e uma hora depois o dinheiro aparece; se for para o tráfico de armas, é preciso meia-hora; para o tráfico de seres-humano só é preciso um minuto.” *

Nunca esqueci a revolta que senti no momento, tampouco a que sinto cada vez que revivo estas palavras.

Nos últimos anos, parece que muita gente perdeu a capacidade de revoltar-se perante a tragédia de outros seres humanos, talvez porque muitas destas tragédias acontecem a milhares de quilómetros daqui.

O que não sabemos é quantas destas crianças passam perto de nós, vítimas de tráfico, vendidas para serem a nova escravatura do século XXI, incluindo escravas sexuais.

Quantas destas crianças são vendidas para que lhes possam ser retirados os seus jovens órgãos para que outro alguém, endinheirado, possa viver mais tempo.

Quantas destas crianças já só são memória, ou nem isso, a não ser que uma câmara fotográfica capte a imagem do seu corpito, cadáver, numa qualquer praia. A criança não morreu afogada, fomos todos nós que a afogámos.

Somos todos nós que, ao nada fazer, somos corresponsáveis pela morte de milhares de crianças, baleadas, soterradas, malnutridas e mortas à fome, nos teatros de guerra.   

Somos todos nós que também somos responsáveis quando suspeitamos que a criança que vive na casa ao lado pode estar a ser vítima de abusos sexuais ou de violência doméstica, e nada fazemos porque “entre marido e mulher não se mete a colher”.

O que vai acontecendo, atualmente, pelo Mundo é o resultado de uma ganância extrema de alguns, seja pela posse da terra, seja por mais poder ou mais dinheiro.

Há milhões de crianças a morrer à fome enquanto alguns disputam o lugar de aparecer nas capas das revistas como o homem ou a mulher mais rica do mundo.

Que hipocrisia serem os mais ricos aqueles que ganham dinheiro com o sofrimento dos outros e, de entre estes os mais vulneráveis. É assim com os donos das redes socais que têm nas mãos o sangue das crianças que se suicidam porque o algoritmo do Facebook, Tik Tok, Instagram, etc., os empurram para o desespero; é assim com aqueles que continuam a ganhar milhões com o trabalho escravo, também de crianças, dos países mais pobres; é assim com os governos que continuam a vender armas, lucrando milhões enquanto dizem palavras de circunstância contra a guerra.

Até quando vamos continuar a fechar os olhos e a assobiar para o lado enquanto tudo isto vai acontecendo?

Até quando vamos permitir que os Senhores dos algoritmos e da desinformação, da darkweb e da guerra comandem, destruam vidas e matem a nível global?

Se as crianças são o futuro, temos de fazer mais por elas independentemente da raça, do sexo, da religião e da cultura.

A condição e a dignidade humana é global e defendê-la é um dever de todos.

Defender a dignidade humana impele-nos a fazer mais, pela nossa e pela dos outros.

Pela dignidade de ser criança, que se cumpra a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a nossa Constituição, para que o Dia Mundial da Criança seja todos os dias e que o 1 de junho seja apenas um dia de festejar o ser criança com felicidade, beijos, abraços e sorrisos em todo o Mundo.

A Constituição da República Portuguesa, no artigo 69.º – Infância, consagra que as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições; O Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal; É proibido, nos termos da lei, o trabalho de menores em idade escolar.

* Dirigente do SEP, na Assembleia Mundial de Saúde.