14 Setembro, 2022
A ilusão das medidas anunciadas pelo governo
A ilusão de que a escalada de preços é temporária e a contínua redução do poder de compra dos portugueses.

 

A análise do Economista Eugénio Rosa sobre as medidas do Governo apelidadas “Famílias Primeiro”. Após a leitura deste estudo a pergunta que fica é onde, onde estão as “Famílias Primeiro”. Talvez porque ainda não foram anunciadas as medidas para as empresas, incluindo aquelas que têm obtido lucros astronómicos com a o aumento da pobreza de trabalhadores, pensionistas e reformados.

 

Estudo:

O governo anunciou um conjunto de medidas para “apoiar os rendimentos das famílias”. Embora se possam considerar como positivas vamos demonstrar que os seus efeitos são passageiros e enganadores porque não compensam o poder de compra já perdido em 2022. Acresce que António Costa anunciou, e certamente pretende aplicar já em 2023, uma política de rendimentos que a pretexto “de contas certas” determinará a manutenção da redução do poder de compra, dos salários e das pensões.

 

As medidas para compensar a perda dramática do poder de compra dos trabalhadores não permitem recuperar minimamente o poder de compra já perdido, só este ano.

Segundo o INE, a Remuneração Bruta (antes dos descontos para a Segurança Social/CGA e IRS) base mensal média de 4,4 milhões de trabalhadores inscritos na Segurança Social e na CGA era 1043€ em junho de 2021 e, em junho de 2022 era 1069€, portanto num ano esta remuneração média aumentou apenas 2,5% (na Administração Pública a subida foi apenas de 0,9%, o que significa que o setor privado teve um aumento superior a 2,5%).

Entre as medidas anunciadas pelo governo aquelas que têm um impacto mais direto e imediato nos rendimentos dos trabalhadores são:

1) “atribuir um pagamento extraordinário de 125€ a cada cidadão com rendimento até 2700€”;

2) atribuir aos casais com filhos mais “um pagamento extraordinário de 50€ por cada filho que tenha a cargo”.

 

Portanto, cada membro do casal de trabalhadores receberá, em média um auxílio extraordinário de 150€ em 2022. Como é o único que receberá em todo o ano de 2022, dividindo por 14 meses dá uma média de 10,7€ por mês.

O quadro 1 mostra o efeito a nível do poder de compra médio da remuneração base líquida dos 4,4 milhões de trabalhadores a adição desse valor.

Quadro 1 – Variação do poder de compra da remuneração base líquida entre junho de 2021 e junho de 2022 considerando que os apoios estão sujeitos a descontos

 

Considerando que os apoios extraordinários serão sujeitos a descontos o que se conclui é que com os apoios a redução no poder de compra da remuneração base média seria maior (-6,9%) do que sem apoios (-5,6%) porque existe um “salto” de escalão de IRS.

O quadro 2 mostra a quebra no poder de compra da remuneração líquida incluindo os apoios sem descontos.

 

Quadro 2 – Variação do poder de compra da remuneração base líquida dos trabalhadores entre junho de 2021 e junho de 2022 considerando que os apoios não estão sujeitos a descontos

 

Apesar de diminuir com inclusão dos apoios, considerando que não estão sujeitos a IRS e ao desconto para a Segurança Social ou CGA, ainda assim a redução do poder de compra da remuneração base média líquida (incluindo apoios sem descontos), entre 2021 e 2022, é de -4,4%. Portanto, os apoios direcionados principalmente aos trabalhadores, embora minorando a situação, não evitam que o trabalhador sofra em 2022 uma baixa significativa no seu poder de compra.

Em 2023, já não existem apoios para adicionar à remuneração base, volta-se à situação anterior, e o seu poder de compra reduz-se. E os aumentos futuros é sobre a remuneração que são feitos.

 

O governo viola a lei para reduzir o aumento das pensões em 2022, e recuperar o que “deu” com uma mão e tira com a outra, lesando profundamente os pensionistas da Segurança Social e CGA

Comparamos os aumentos que estes teriam nas pensões em 2023 de acordo com a Lei 53-B/2006 com os que o governo anunciou. Para isso, considerou-se que a inflação anual de 2022 seria a verificada em agosto de 2022 (5,43% segundo o INE mas entre jul.2022 e ag.2022 já subiu de 4,79% para 5,43%) e que, em relação ao PIB, o valor do 3º trimestre de 2022, a preços constantes, será igual ao do 2º trimestre de 2022 (crescimento zero como foi o do 2ºtrim.). Mas é previsível que se verifique crescimento nestas duas variáveis, por isso a diferença em relação à proposta do governo ainda deverá ser maior que a constante do quadro 2.

 

Quadro 3 – Aumento das pensões em 2023 de acordo com a lei e segundo a proposta do governo

Como se conclui do quadro, os aumentos de pensões que o governo pretende fazer são inferiores aos que, em 2023, de acordo a Lei 53-B/2006 os pensionistas têm direito. O governo nem atualizou o Indexante de Apoio Social considerando que em 2023 teria o mesmo valor de 2022.

Para que fique clara a dimensão do que o governo pretende se apropriar fizemos duas simulações com base em dois valores de pensões (886€ e 1500€), e consideramos que o pensionista só vive mais 10 anos.  Os resultados estão nos quadros 3 e 4. Nestas simulações, em 2023 aplicamos os aumentos percentuais do governo e da Lei 53-B/2006 e, partir deste ano, aumentos anuais constantes de 3%.

 

Quadro 4 – As perdas numa pensão cujo valor em 2022 é de 886€ causada pela proposta do governo

 

Quadro 5 – As perdas numa pensão cujo valor em 2022 é de 1500€ causada pela proposta do governo

Como revelam os dados dos dois quadros já em 2024 a perda acumulada é muito superior à meia pensão que o governo pretende pagar em 2022 à custa dos próprios pensionistas. A partir de 2024 é sempre a perder.

 

Uma política de rendimentos para 2023 e anos seguinte assente na perda continuada do poder de compra dos trabalhadores e dos pensionistas e o apelo aos patrões privados para fazerem o mesmo.

A intervenção de António Costa revela as verdadeiras intenções do governo. Quando afirma que “o objetivo de médio prazo fixado para a zona euro é estabilizar a inflação perto dos 2%. Este deve ser, por isso, o valor de referência para a atualização de prestações, preços, tarifas ou rendas fixadas pelo Estado para o próximo ano, para evitar que um ano de inflação excecional e atípica como é 2022 se consolide com efeitos permanentes”, deve merecer atenção de todos, e em especial por parte dos trabalhadores e pensionistas, e das suas associações, pois revela as verdadeiras intenções do governo. Ele disse o seguinte: “Temos que fazer tudo para convergir o mais rapidamente possível para o objetivo de médio prazo fixado para a zona euro: estabilizarmos uma inflação perto dos 2%. Este deve ser, por isso, o valor de referência para a atualização de prestações, preços, tarifas ou rendas fixadas pelo Estado para o próximo ano, para evitar que um ano de inflação excecional e atípica como é 2022 se consolide com efeitos permanentes”.

 

Não é necessário ser muito perspicaz para perceber que o grande desejo é utilizar o “plafond” de 2% para os salários e pensões como base da política de rendimentos.

É de prever que os trabalhadores da Administração Pública se confrontem já com esta pretensão do governo e que, na concertação social, patrões e governo se unam com esse objetivo.

A ser aceite tal política de rendimentos determinará um agravamento brutal nas condições de vida da esmagadora maioria dos portugueses, que já enfrenta sérias dificuldades.