3 Dezembro, 2020
Serviço Nacional de Saúde: é urgente reforçar o seu orçamento
Eugénio Rosa alerta para as consequências económicas e sociais que serão dramáticas caso não seja reforçado o orçamento para a saúde.

 

A grave crise de saúde pública causada pelo “coronavírus” está a destruir a economia e o emprego, a reduzir a produtividade e a riqueza criada, a agravar as profundas desigualdades que já existiam e a causar o alastramento rápido da pobreza no país (antes da pandemia já mais de 1.700.000 portugueses viviam no limiar da pobreza, atualmente serão muito mais de 2.000.000).

A economia não pode fechar nem parar. Sem ela o país e os portugueses estarão condenados ao retrocesso e à pobreza.

É, por isso, urgente defender a saúde dos portugueses também para que a economia possa funcionar. Para o conseguir é necessário investir muito mais no SNS e, apesar do governo afirmar que está a disponibilizar os meios que este necessita para cumprir tal tarefa, isso não corresponde à verdade.

É o que vamos mostrar com dados do próprio Ministério da Saúde.

As transferências do Orçamento do Estado para o SNS são sempre muito inferiores à sua despesa total (mesmo em 2020 e 2021) causando o sub-financiamento crónico que o destrói e incapacita.

Mesmo com a pandemia, e com a grave crise da saúde publica, em 2020 e em 2021 as transferências do Orçamento do Estado para o SNS são muito inferiores à despesa.

Quadro 1 – Despesa do SNS e transferências do Orçamento do Estado para o SNS

Em 2021, as transferências do Orçamento do Estado para o SNS serão inferiores à despesa total prevista em 1.089 milhões €.

Se somarmos os saldos negativos dos 11 anos constantes do quadro anterior obteremos o impressionante montante de -12.467 milhões €.

Entre 2020 e 2021, as transferências do OE para o SNS aumentarão apenas 134 milhões € (+1,3%) e não 467,8 milhões € como o governo refere.

O gráfico 1, mostra de uma forma clara, a política de estrangulamento financeiro a que os sucessivos governos têm sujeitado e continuam a sujeitar o SNS.

Como revela o gráfico 1 (dados do Ministério da Saúde) o financiamento do SNS pelo Orçamento do Estado tem representado apenas entre 86,1% e 92,1% da sua despesa total contribuindo o sub-financiamento crónico, que o destrói e incapacita para responder às necessidades do país.

Mesmo em plena grave crise de saúde pública, a insuficiência de meios é clara como provam os próprios dados oficiais (em 2021, as transferências do OE são inferiores à despesa em 1.089 milhões €). Para colmatar a enorme divida acumulada o governo faz transferências extraordinárias ou permite a utilização dos capitais próprios para outros fins. Com estas opções, o SNS é estrangulado no seu funcionamento diário, impedindo qualquer gestão racional, eficiente e responsável.

O endividamento enorme do SNS para suprir a insuficiência das transferências do OE

Se analisarmos a conta do SNS referente a 2019 e 2020 (esta ainda com estimativas), concluímos que o subfinanciamento por parte do Orçamento do Estado, ou seja, o “buraco” tem sido coberto por receitas de jogos sociais (122M€ em 2019 e 115M€ em 2020), por receitas das taxas moderadoras pagas pelos portugueses (170M€ em 2019 e 112M€ em 2020) e fundamentalmente através do endividamento crónico e enorme do SNS aos fornecedores.

Em 2021, com eliminação das taxas moderadores nos centros de saúde a situação piorará (entre 2020 e 2021,a receita das taxas moderadoras diminuirá de 112 milhões € para 76 milhões €).

O gráfico 2, mostra o enorme endividamento do SNS devido sub-financiamento crónico.

No 4º trimestre de 2011, a dívida acumulada do SNS aos fornecedores atingia 3.249 milhões €.

Este enorme endividamento do SNS obrigou o Estado a fazer um financiamento extraordinário de 1.932 milhões € reduzindo a divida de 3.249 milhões € para 1.317 milhões €.

Mas no 4º trimestre de 2012, a divida já tinha subido para 1794 milhões €, ou seja, cresceu 477 milhões, em 2012, €.

No 3º trimestre de 2020, a divida seria muito maior do que o que consta no gráfico – 1.531 milhões € – se os aumentos de capital de 256,4 milhões € não fossem aplicados na amortização da divida.

Para além disso, no ano de 2020 o SNS terminará com um défice de 283,9 milhões € (Nota explicativa do Ministério da Saúde OE-2021 -pág. 32).

 

O recurso sistemático do SNS ao endividamento para suprir as transferências insuficientes do Orçamento do Estado está:

  • a impedir a internalização de muitos serviços por falta de investimentos e,
  • a determinar o recurso crescente aos privados, o que significa que uma parte significativa do orçamento do SNS (ver quadro 2) vai engrossar os lucros dos privados com custos acrescidos, pois estes impõem preços mais elevados como contrapartida dos atrasos.
Quadro 2 – Despesas do SNS com Pessoal e com a aquisição de bens e serviços a empresas privadas

O SNS é uma fonte enorme de negócio e de lucro para o setor privado.

Segundo a “Conta do Serviço Nacional de Saúde”, divulgada pelo Ministério da Saúde durante o debate na Assembleia da República da proposta do OE-2021, em 2020 (o mesmo acontecerá em 2021), 56,7% do orçamento do SNS (6.412 milhões € em 2021) é utilizado para aquisição de bens e serviços a empresas privadas (na ADSE são 550 milhões € para privados).

A parcela destinada aos profissionais de saúde – 42,6% do total da despesa corrente – é muito menor (4841 milhões € em 2021).

O investimento no SNS em equipamentos e outros bens de capital tem sido mínimo, mesmo ridículo.

Em 2019, representou apenas 1,46% da despesa total.

Em 2020, 2,2% de despesa. Em 2021, apenas 2,5% da despesa total do SNS.

 

O sub-financiamento crónico do Orçamento do Estado, endividamento enorme do SNS, aquisição maciça de bens e serviço a empresas privadas pela incapacidade imposta ao SNS por falta de recursos são fragilidades de que se aproveitam os privados para impor os seus preços e obter elevados lucros.

Investimento ridículo, profissionais mal pagos, promiscuidade de profissionais (SNS/privados) eis a situação do Serviço Nacional de Saúde.

As dificuldades que já enfrentava antes da crise para prestar serviços de saúde à população foi enormemente agravada pela crise de saúde pública causada pelo “coronavírus” tornando mais visível as fragilidades do SNS que o Governo tenta ocultar.

O número insuficiente dos profissionais de saúde e a sua situação atual

Um dos argumentos mais utilizados pelo governo na sua campanha junto da opinião pública é o aumento enorme do financiamento do SNS (mais 2.555 milhões € entre 2015 e 2021) e o aumento significativo do número de profissionais de saúde, nomeadamente médicos, nos últimos 5 anos.

Em relação ao 1º argumento – aumento de 2.555 milhões € – já demonstrámos no que se traduziu para o SNS.

Em relação ao número e à situação dos profissionais de saúde é o que agora vamos analisar.

O quadro 3 mostra a evolução entre 2011/30 set. 2020

Quadro 3- Numero dos principais profissionais de saúde entre dez.2011 e 30set.2020 no SNS

Com os governos PS, o número de profissionais de saúde aumentou (+19633), quando durante a “troika”” e o governo PSD/CDS tinha diminuído (-5196) com exceção dos médicos cujo número sempre cresceu.

Mas este crescimento não é real porque muitos pediram a redução de horário de trabalho devido às baixas remunerações. Em 2009, o governo extinguiu o regime de exclusividade por razões economicistas e apenas 1/5 dos médicos estão neste regime (obtido antes de 2009). Este governo recusa-se a criá-lo.

A promiscuidade dos que trabalham simultaneamente no SNS e nos privados generalizou-se causando a sua escassez e a destruição do SNS. A degradação do SNS agravou-se dramaticamente com a crise do “coronavírus” e por falta de planeamento adequado.

A remuneração dos profissionais de saúde degradou-se profundamente com o governo do PSD/CDS com cortes e congelamento de salários, aumento do horário de trabalho sem acréscimo de remuneração, tendo continuado com os do PS que não permite a progressão de milhares de profissionais, congelou os aumentos salariais e não repôs o poder de compra.

Quadro 4 – A evolução do poder de compra da Remuneração Base Média líquida dos profissionais de saúde

Entre 2010 e 2020, com exceção dos Assistentes Operacionais cujo poder de compra estagnou, todos os restantes profissionais de saúde sofreram uma forte redução do seu poder de compra, atingindo os médicos -18,2%; os Técnicos de Saúde -17,3%; os enfermeiros -10,3%; os Assistentes Técnicos -12,3%.

Os baixos salários associados à extinção da exclusividade em 2009 e a recusa em criá-la levou à promiscuidade o que está a destruir o SNS e a contribuir para a explosão do negócio privado de saúde (hospitais).

Pede-se tanto a estes profissionais mas o Estado paga salários de “miséria” e recusa a exclusividade.

Estudo do economista Eugénio Rosa, 21 novembro 2020

www.eugeniorosa.com