1 Fevereiro, 2024
Eleições Legislativas 2024: remetemos o nosso Manifesto aos partidos políticos
A pouco mais de um mês das Eleições Legislativas, remetemos aos vários partidos políticos um Manifesto sobre o estado atual da Enfermagem e as nossas reivindicações para a resolução dos problemas que nos afetam a todos.

Para que possas consultá-lo, disponibilizamos aqui a sua transcrição.

MANIFESTO

Os Enfermeiros são o maior grupo profissional no Sistema de Saúde português e, de entre as várias razões para que assim seja, há uma que é incontornável: os enfermeiros são os únicos que asseguram a continuidade de cuidados às pessoas. É por isso que a generalidade trabalha 24 horas por dia, 7 dias por semana. 

A carência global de profissionais de saúde, reconhecida a nível global, crónica no nosso país, dificulta, por exemplo, que sejam atingidos os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável que Portugal subscreveu e que se consiga dar resposta a novos fenómenos como o aumento da imigração ou o agravamento de velhos problemas como as consequências da pobreza energética, da pobreza nutricional, o aumento da doença mental, etc..

As questões climáticas, demográficas, socioeconómicas, agroalimentares estão a colocar – e colocarão crescentemente de forma mais acentuada – novos desafios ao nível da evolução das necessidades em saúde. Desde logo, mais e novas doenças raras; mais doença crónica física e psicossocial com preocupante incidência em idades mais jovens; maior dimensão de população idosa em situação de dependência total ou parcial, com várias comorbilidades e elevados défices de autonomia para as atividades de vida diária; entre outros.

Sendo as necessidades e os problemas de saúde dos indivíduos e das famílias crescentemente mais complexos, as respostas em saúde terão de complexificar-se através, nomeadamente, da integração de mais conhecimento organizado em profissões (equipas multiprofissionais). Em suma, é preciso melhorar o acesso e diversificar as respostas utilizando o potencial de quem cuida e de quem é cuidado. Também a digitalização e a inovação encerrarão novos desafios.

O desafio da recente reorganização do dispositivo prestador de cuidados públicos em Unidades Locais de Saúde pode encerrar alguns riscos como, por exemplo, um maior estrangulamento dos Cuidados de Saúde Primários na sua missão mais nobre: a promoção da saúde e a prevenção da doença. 

É certo que a atuação dos enfermeiros, de complementaridade funcional face aos demais profissionais de saúde, é dotada de igual dignidade e autonomia do exercício profissional, contudo, ainda que socialmente reconhecida, é inegável a desvalorização do valor económico e social das suas trajetórias profissionais e das suas condições de trabalho.

Os serviços sobrelotados, a desregulamentação de horários, os milhares de horas extraordinárias, os horários incómodos, a dificuldade de compatibilização da vida pessoal com a profissional, o aumento das várias formas de violência contra os profissionais de saúde, associados a remunerações que não traduzem a sua crescente responsabilidade e o aumento das qualificações, tornam a profissão menos atrativa, potenciando a saída destes profissionais para outros países e mesmo o abandono da profissão, criando ainda maior pressão, nomeadamente, sobre o Serviço Nacional de Saúde. 

Reafirmamos: um dos problemas mais significativos que as instituições do Serviço Nacional de Saúde e dos setores privado e social enfrentam é a dificuldade de retenção e atração de profissionais de saúde, nomeadamente de enfermeiros. 

No setor público, a variação do poder de compra entre 2009 e 2023 demonstra que os enfermeiros tiveram uma diminuição dos seus rendimentos de cerca de 20%. A opção seguida de, estrategicamente, promover a desvalorização salarial e das profissões, atingiu o seu ponto alto. As consequências são visíveis e só não atingem outras dimensões pelo elevado sentido de responsabilidade dos enfermeiros. 

Também nos setores privado e social, o valor económico e social das intervenções de enfermagem não é reconhecido. Os salários são extremamente baixos, o exercício de funções acontece em condições particularmente penosas (ex.: trabalho por turnos), o que não é compensado, e as perspetivas de desenvolvimento profissional são quase inexistentes.

Neste quadro, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses entende relevante e exigível que, nomeadamente:

  • As políticas públicas de saúde sejam efetivamente centradas na promoção da saúde e na prevenção da doença
  • O Serviço Nacional de Saúde seja reforçado, terminando o seu permanente subfinanciamento, e sejam adotadas medidas que consagrem a separação dos setores público e privado
  • Seja repensado e alterado o atual modelo de financiamento das organizações integrantes do SNS e que seja considerado, nomeadamente, o nível de risco da população, a obtenção de ganhos em saúde e as intervenções dos diferentes grupos profissionais de saúde nos resultados. É fundamental garantir mais autonomia às instituições
  • Na reorganização e imprescindível reforço do SNS em múltiplos aspetos, e desde logo, na criação dos Sistemas Locais de Saúde, na esteira da Lei de Bases da Saúde, é determinante que ao nível da organização, funcionamento, direção e gestão do dispositivo organizacional sejam criadas condições para: 

    – A existência de equipas multiprofissionais ao nível dos Cuidados de Saúde Primários, que integrem um vasto conjunto de profissionais de saúde (enfermeiros, médicos, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos, assistentes sociais, fisioterapeutas, estomatologistas, higienistas orais, etc), com vista à prestação de cuidados personalizados, globais e integrados e imprescindíveis à melhoria dos indicadores de saúde da população

    – Que estas equipas multiprofissionais estabeleçam Planos Individuais de Cuidados às pessoas, famílias, grupos e comunidades, garantindo efetivas respostas de proximidade, nomeadamente em contexto domiciliário, ao longo das 24 horas

    – Que no âmbito da complementaridade funcional entre profissionais de saúde, que sejam alteradas as atuais Normas de Orientação Técnica com vista a possibilitar e a promover a efetiva aplicação de competências adquiridas, designadamente dos enfermeiros, com ganhos no acesso, qualidade e eficiência.
  • Também com o objetivo de potenciar o funcionamento das supracitadas equipas multiprofissionais e a designada complementaridade funcional, que seja desenhado um plano de longo prazo relativamente à formação dos profissionais de saúde, que, entre outros aspetos:

    – Integre a formação conjunta de todos os profissionais de saúde no que respeita a áreas científicas transversais (“tronco comum”) relativamente a uma fase da formação pré-graduada

    – Estabeleça, para todas as profissões de saúde, um sistema de formação qualificante ao longo da vida profissional.
  • Que seja estabelecido um plano, que enquadre medidas de organização, funcionamento e investimento no SNS em toda a sua latitude, recursos humanos, dispositivos médicos e equipamentos, com o objetivo de garantir que o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação se concretizem no Serviço Nacional de Saúde. A circularidade do dispositivo prestador de cuidados públicos deve garantir que, por exemplo, todas as vacinas e todos os Exames Complementares de Diagnóstico emitidos ao nível dos Cuidados de Saúde Primários devam ser realizados nas Unidades Locais de Saúde
  • Que os presidentes das administrações das instituições do SNS sejam designados mediante prévio concurso público e que o Enfermeiro Diretor e o Diretor Médico sejam eleitos pelos seus pares
  • Que se efetive a integração da formação em enfermagem no subsistema universitário
  • Que se concretize a admissão de mais enfermeiros com contratos definitivos e a regularização das situações de precariedade
  • Que se operacionalize a concretização de medidas que garantam igualdade de direitos entre todos os enfermeiros independentemente do tipo de contrato
  • Que seja promovida a contratação coletiva, 35 horas semanais e a valorização de carreiras e salários nos setores privado e social
  • Que seja efetivada a valorização de todos os enfermeiros do setor público através da imediata negociação de uma alteração à Carreira de Enfermagem (DL 71/2019), que integre, nomeadamente:

    – A valorização da grelha salarial, incluindo um regime remunerado de dedicação exclusiva

    – A compensação do risco e da penosidade inerente à natureza das funções, designadamente através de regime específico que garanta condições de acesso mais favoráveis à aposentação/reforma

    – A consagração de um Sistema de Avaliação do Desempenho justo e adequado à especificidade das intervenções e funções dos enfermeiros

    – A contagem de todo o tempo de serviço perdido com a imposição do SIADAP.

Lisboa, 30 de janeiro de 2024

A DIREÇÃO