8 Fevereiro, 2021
Carta ao Primeiro-ministro: passar do discurso à ação política
As mais recentes medidas de gestão impostas pelo governo resultaram no envio desta carta ao Primeiro-ministro com conhecimento às Ministras da Saúde, da Justiça e da Administração Pública, Ministros das Finanças, da Educação e da Defesa Nacional.

 

A pandemia e o seu impacto nos enfermeiros, as razões do atual estado de situação, a emergência de passar do discurso à ação política, o cansaço dos enfermeiros da retórica política e as nossas exigências são os assuntos desta missiva.

 

Começamos por fazer a caracterização da situação atual. A pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde decorrente do número de pessoas com Covid-19 a que acresce a pressão para garantir cuidados de saúde a todos os cidadãos.

Percorremos os “corredores” dos hospitais para afirmar que aumentou o número de utentes acolhidos nos serviços de urgência e de doentes com Covid-19 internadas nas enfermarias, incluindo nas Unidades de Cuidados Intensivos para realçar a evidência: a competência dos profissionais, também para garantir a reorganização de espaços físicos, meios, equipas, processos, circuitos e funcionamento.

O mesmo acontece nos cuidados de saúde primários que, com a pandemia e de forma diversa pelo país, ao conjunto dos enfermeiros passou a ser exigida a sua disponibilidade para:

  1. Manter a “atividade normal” nas condições possíveis;
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  2. Realizar “triagem” à porta dos Centros de Saúde;
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  3. Reforçar as Equipas de Saúde Pública;
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  4. Realizar testes Covid no domicílio, em empresas, lares e creches;
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  5. Seguimento clínico de doentes COVID-19 nas Estruturas Residenciais para Idosos;
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  6. Assegurar as Áreas Dedicadas para Doentes Respiratórios (ADR) – 280 no país;
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  7. Vigilância de saúde “através do Trace-Covid”;
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  8. “Vacinação Covid”;
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  9. Assegurar o funcionamento das Estruturas de Apoio de Retaguarda e Zonas de apoio à população;
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  10. Ainda falta assegurar a alargamento do período de funcionamento dos Centros de Saúde até às 22h00 nos dias de semana e entre as 10h00 e as 14h00 no sábado (al. a), nº 1, art.º 277º da Lei do Orçamento do Estado).

O aumento do número de doentes e da sua complexidade clínica, exigem maior número de horas de cuidados de enfermagem disponíveis num contexto em que somos poucos nos serviços e não há para contratar. A situação é exasperante!

 

Resta cuidar da “força de trabalho”, existente! Relembramos ao Primeiro-ministro que os enfermeiros “estão lá” 24 horas por dia e 7 dias por semana. São milhares de dias de trabalho para além das 35 horas semanais, mal pagos ou não pagos. Foram férias suspensas e muitas ainda não gozadas. Ao risco e penosidade inerente ao exercício da função enfermeiro, acrescenta a penosidade decorrente “destes” horários de trabalho e risco de contágio. À exaustão física acrescenta a exaustão emocional, decorrente, nomeadamente da dificuldade em conciliar a vida profissional com a vida familiar, apoiar os filhos menores e outros dependentes, e, em garantir todos os necessários cuidados.

Ao nível da Enfermagem, o esforço é reconhecidamente titânico.

 

Não poupamos o Governo na forma como tem actuado para com os enfermeiros e responsabilizamo-lo pelo amplo descontentamento que já existia e que aumentou face às exigências com que estamos confrontados.

O discurso político do Governo de reconhecimento e valorização do papel dos enfermeiros, não se materializou em medidas de solução para os problemas, pelo contrário as que foram sendo adoptadas acrescentaram mais insatisfação pelas injustiças, desigualdades e discriminações que potenciam. Senão vejamos:

  • Continuou a admitir enfermeiros com contrato a termo, primeiro de 4 meses e agora a termo incerto;
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  • No processo de reconversão de contratos a termo certo em contratos sem termo, “deixa de fora” cerca de 1800 enfermeiros com vínculo precário, incluindo os que estão em regime de substituição e até têm mais anos de profissão;
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  • Impôs as designadas “compensações pelo combate à pandemia”, mais dias de férias e prémio de desempenho relativo ao Estado de Emergência de março de 2020 e o subsídio extraordinário de risco acrescido para 2021, cujos critérios altamente restritivos, subordinados à poupança, estão a determinar a exclusão da maioria dos enfermeiros, apesar de todos estarem “na linha da frente” do combate.
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  • Aos milhares de enfermeiros que estavam na posição 1 da tabela salarial da carreira e que por transição de carreira se mantiveram na mesma posição 1 mas tiveram um “acréscimo salarial” (reposicionamento nos €1201), o Governo, com base em “interpretações jurídico-económicas”, inadmissivelmente, “varreu” todos os pontos detidos para efeitos de progressão.
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  • Aos milhares de enfermeiros com contrato de trabalho para funções públicas (vulgarmente designados CIT), o Governo “varreu” a generalidade do tempo de serviço ao não contabilizar pontos para efeitos de progressão, com base em “interpretações jurídico-político-económicas”.
    Como sempre defendemos e exigimos, curiosamente, o Governo, por conveniência e oportunidade política, vem regular, para os CIT e por diploma legal (DL n.º 10-A/2021 de 2 de fevereiro), regime e horário de trabalho, retribuições e acumulação de funções.
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  • A atual carreira de enfermagem consagra uma modalidade de regime de trabalho (regime de horário acrescido) com a duração de 42 horas semanais a que corresponde um acréscimo remuneratório de 37% da remuneração base.
    Agora, nos mecanismos excecionais de gestão de profissionais de saúde, o Governo impôs o DL n.º 10-A/2021 de 2 de fevereiro, sem qualquer negociação, que, mais uma vez, permite aplicações discriminatórias. Subordinado ao “princípio da poupança”, entre outras matérias, consagra um regime de trabalho de 42 horas, ao qual corresponde um suplemento remuneratório de 37% da remuneração base. Para além de poupar uns milhares de euros, fixa ainda períodos normais de trabalho diário de 12 horas que a lei não viabiliza. Por não aplicação do diploma, discrimina negativamente os enfermeiros que exercem funções no INEM, nos Ministérios da Defesa e Justiça e do IPST. Inacreditável.
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  • Por último, a assistência à família (filhos) e dependentes a cargo de enfermeiros, decorrente da suspensão das atividades letivas e de apoio à primeira infância. O funcionamento de reduzido número de estabelecimentos de ensino, creches, creches familiares ou amas para acolhimento dos filhos dos enfermeiros, e, a ausência dos habituais trabalhadores, sobretudo ao nível da Primeira Infância (até aos 3 anos e Pré-Escolar), mas também do 1º Ciclo do Ensino Básico, continua a ter um amplo e profundo impacto negativo na organização e gestão das atividades familiares diárias e nas necessárias condições de estabilidade “psicológico-emocional” dos enfermeiros, com vista à sua disponibilização para a prestação de cuidados.
    Agora, a partir de 8 de fevereiro, sendo retomadas em regime não presencial as atividades educativas e letivas dos estabelecimentos de educação pré-escolar e do ensino básico, sobretudo ao nível do 1º ciclo, as consequências acima referidas complexificam-se ainda mais.

 

Terminamos afirmando que os enfermeiros estão cansados, também, da retórica política, fazemos as exigências que podes ver aqui.