As Eleições para os Corpos Gerentes do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) 2023-2027 estão à porta e, antes de a abrir, importa fazer um balanço do trabalho desenvolvido pelo sindicato nos últimos quatro anos, bem como um ponto de situação atual.
Para tal, falámos com o atual presidente da organização sindical, o enfermeiro José Carlos Martins, que ao que tudo indica irá dar continuidade ao trabalho desenvolvido, ou não fosse a lista A, que encabeça, a única a concorrer a este momento eleitoral – algo que o dirigente considera estranho, mas ainda assim compreensível. “É uma coisa estranha e, por outro lado, compreensível. É estranha porque cada vez mais, e bem, há uma grande pluralidade de opiniões. Faria sentido que esses colegas também se organizassem e concorressem à direção do seu próprio sindicato, porque o sindicato é de todos os sócios. Por outro lado, também sabemos que do ponto de vista dos valores há esta lógica do individualismo e, podendo integrar uma organização destas, uma organização coletiva, na qual umas centenas de enfermeiros têm de discutir e, no final, têm de decidir, por votação ou por consenso, uma coisa a fazer, não é fácil”.
Perguntamos porquê. “[Porque] não é fácil vir para uma organização que está na permanente gestão de conflitos com os colegas. Nós aqui somos recetores de problemas e de conflitos e intervimos para os resolver. Não é fácil vir para uma organização com esta missão, primeiro, e, segundo, há uma grande dimensão da valorização do individual. Eu por mim resolvo, eu vou ao advogado e resolvo. O que a História tem demonstrado é que não é assim, as conquistas para as questões grossas dos problemas passam pela organização coletiva de quem é alvo desse problema, neste caso o alvo são os enfermeiros, e os enfermeiros têm de se organizar de forma coletiva para lutar e exigir essa solução. Cada vez mais, os fazedores de leis têm aberto espaço às múltiplas interpretações legais, isto é um crescendo ao longo destas décadas, e, por isso, há mais recurso à área jurídica. Seria interessante haver listas alternativas, como é óbvio”, considera José Carlos Martins.
E qual é a sensação quando se aproxima o final do atual mandato? É de dever cumprido… mas não tanto. “Em bom rigor, não sei se é fácil para um sindicalista no final de mandato dizer se o dever foi cumprido, porque o nosso dever… Se olharmos pela lógica de fazermos tudo o que está ao nosso alcance para conquistarmos as melhores e as mais justas soluções para os que representamos – neste caso, os enfermeiros -, sim, fizemo-lo. Agora, se estamos satisfeitos com o que conseguimos? Estamos parcialmente satisfeitos, porque conseguimos algumas coisas, mas permanecem sempre problemas por resolver”, admite.
Revisitemos então o ainda atual mandato. O Corpo Gerente tomou posse em dezembro de 2019, quando começavam a sair as primeiras notícias sobre o vírus na China que provocou a nível global a pandemia Covid-19. Em março de 2020, Portugal entrou em quarentena – e foi a partir de então que se tornou evidente que a resposta dada pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) viria a ser fundamental para gerir a crise que a cada dia se intensificava. O grande rosto dessa resposta foram os enfermeiros, muito à custa do seu sacrifício pessoal, e apesar da desvalorização de que eram (e são) alvo.
Neste contexto, a ação do SEP foi decisiva. “Durante um ano e meio estivemos sem condições, face ao quadro pandémico, de concretizar a ação sindical direta nos serviços com os colegas. Contudo, mesmo naquelas condições, naquele ano e meio, tivemos resultados bons”, recorda o presidente do SEP. E concretiza: “Relacionados com a Covid-19, contribuímos decisivamente para que fosse considerada doença profissional, conseguimos intervir no sentido de dar garantia de pagamentos de ausências dos enfermeiros com Contrato Individual de Trabalho (CIT) face aos enfermeiros de Funções Públicas e conseguimos, logo no início [da pandemia], fazer uma enorme campanha de denúncia por ausência de materiais de proteção individual para prestar cuidados. De destacar também as medidas de apoio à família, nomeadamente à questão dos filhos e das escolas, e conseguimos ainda a admissão direta para os Cuidados Intensivos e para o conjunto dos serviços de uns milhares de enfermeiros – e a sua efetivação. Portanto, mesmo no quadro pandémico, em resposta a essa situação inesperada, conseguimos uma série de resultados sensíveis, tangíveis e importantes para os enfermeiros”.
Foi também nesta conjuntura que foi traçado o caminho para a reivindicação de uma resposta do Governo relativamente à contagem de pontos dos enfermeiros. “Simultaneamente, conseguimos uma outra coisa muito relevante que gizámos no plano tático e que se veio a demonstrar que tínhamos razão. Neste cenário de dificuldade de movimentação, de deslocação, de distanciamento, fizemos de forma quase permanente um conjunto de ações nacionais que deram expressão visível a duas questões: aos problemas dos enfermeiros e à exigência de solução e, desde logo, a questão dos pontos, a exigência da contagem dos pontos”, nota José Carlos Martins.
Colocando o enfoque nas ações reivindicativas desenvolvidas na altura, o presidente do SEP destaca a descida da Avenida da Liberdade no Dia Internacional do Enfermeiro, em 2021, e a campanha Agora Somos Nós, ambas com amplo destaque mediático. Nesta última, desenvolvida cerca de um ano e meio depois dos primeiros casos de Covid-19 sinalizados no país, o sindicato dirigiu-se diretamente aos cidadãos para alertar para os graves problemas que afetavam os enfermeiros e dessa forma pressionar o Governo à justa valorização da classe, num movimento que contou com o apoio de inúmeras personalidades de diversos meios.
Um dos principais objetivos deste mandato foi a justa contagem de pontos aos enfermeiros que, apesar da pandemia e de todas as limitações impostas, este Corpo Gerente conseguiu alcançar. “Conseguimos conquistar o famigerado Decreto-Lei n.º 80-B/2022, que veio viabilizar a contabilização dos pontos, e há aqui uma grande dimensão de vitória porque conseguimos que, na senda do que reivindicamos desde que há enfermeiros com CIT, desde 2002, que defendemos uma linha de harmonização de direitos e de condições de trabalho, também conseguimos que aos enfermeiros com CIT fossem contabilizados os pontos nas mesmíssimas condições que os enfermeiros de Funções Públicas tinham”, assinala o dirigente.
À data de hoje permanecem ainda situações de injustiça no âmbito da contagem de pontos, é certo, mas, para o sindicato, a justa contagem dos pontos foi a conquista que “deu mais dinheiro aos enfermeiros nos últimos anos”, destacando-a como o momento mais importante do mandato, depois das conquistas alcançadas durante a crise pandémica, para a qual ninguém estava preparado.
“Ainda há situações em que não contam pontos para trás a quem tomou posse na categoria de especialista até 2010, ainda não atribuíram pontos a quem iniciou funções no segundo semestre, ainda há instituições que não atribuem pontos a tempo de exercício noutras instituições diferentes daquelas em que hoje estão porque estiveram a contrato certo ou incerto ou porque interromperam dois dias ou uma semana. Ou seja, ainda há aqui um resquício de problemas geradores de descontentamento, porque injustos, e que dirá respeito a 5 % ou 7% dos enfermeiros. Como sempre, o SEP não desiste e mantemos isso na agenda, na agenda da reivindicação, na agenda das ações de luta e na agenda da exigência em termos de reuniões com o Ministério da Saúde para o resolver”, garante José Carlos Martins.
A justa contagem de pontos aos enfermeiros, de resto, já estava na agenda do SEP no mandato anterior (2017-2021). “Era claro do ponto de vista político, da parte do Governo, que em 2018 iria ocorrer o descongelamento das carreiras, e era nosso plano, em 2017-2018, termos a ‘guerra’ dos pontos. Mas, entretanto, houve um conjunto de movimentos e de novos sindicatos que fizeram esta deriva de alteração à carreira, num tempo político e para a própria profissão completamente inoportuno, porque agora irão passar anos e anos até que a nova grelha salarial atinja os patamares que já tivemos”, lamenta o sindicalista, aludindo ao movimento da greve cirúrgica, que o SEP rejeitou veementemente.
Em jeito de fecho deste balanço de mandato, José Carlos Martins termina com uma nota negativa sobre os movimentos sindicais que promoveram a greve cirúrgica: “Nós, neste mandato, mesmo após o final da pandemia, decretámos um conjunto de greves, e sempre afirmámos que as greves cirúrgicas tinham derretido esta arma que os trabalhadores têm – a greve -, isto por causa dos acórdãos dos tribunais arbitrais impondo aos enfermeiros, em vez de serviços mínimos, serviços máximos. Mais uma vez, também nisto o tempo nos veio dar razão. Acabou a pandemia e os tribunais arbitrais, sempre que decretamos greves, nós ou outros sindicatos, mantêm uma linha de quase impor não os serviços mínimos, mas os serviços máximos, que vinham do tempo das greves cirúrgicas e que tinham sido politicamente e socialmente aceites, na época, porque era compreensível face àquela dimensão e àquele tipo de greve. E, mais uma vez, vamos demorar anos até que as greves dos enfermeiros voltem a ter os serviços mínimos que já tivemos historicamente”.
As eleições de hoje versus as eleições de há quatro anos
A lista A parte para esta eleição do novo Corpo Gerente com uma certeza: o SEP é hoje mais forte do que era há quatro anos. E isso explica-se, segundo José Carlos Martins, por três motivos: têm mais sócios, o que o dirigente atribui em parte às fases difíceis de desunião entre os enfermeiros, promovidas por movimentos de outros sindicatos; a estrutura do SEP – dirigentes, delegados e ativistas – alargou-se e está mais unida; e hoje, acredita, o sindicato tem condições, do ponto de vista da capacidade e da credibilidade da informação, para uma melhor ação sindical nos serviços.
Paralelamente, o contexto no qual estas eleições se realizam é diferente daquele em que se realizaram há quatro anos, tanto a nível interno, como político. “Há uma dimensão interna, relativamente ao SEP, diferente. Nós tivemos um momento titubeante do movimento dos enfermeiros, no anterior mandato, que criou muitas dificuldades de união dos enfermeiros. Não estou a falar dos seus sindicatos; cada enfermeiro tem de se unir, conhecendo as propostas de solução e a intervenção de cada sindicato, com aqueles que acha que defendem as melhores soluções e que engendram os melhores processos para conquistar essas soluções. No mandato anterior, tivemos um processo muito divisionista no seio da profissão e, neste momento, julgo que estão criadas as condições para que os enfermeiros estejam mais unidos em torno de objetivos reivindicativos”, defende José Carlos Martins.
Debruçando-se sobre o contexto político, o presidente do SEP lembra que os tempos da Geringonça já passaram: “Apesar de tudo, no anterior mandato estivemos no quadro da Geringonça, em que o PS estava muito mais condicionado por partidos à Esquerda que, em termos programáticos – ou assim o afirmam e tomam medidas -, são mais a favor dos trabalhadores e dos enfermeiros. O PS, com a maioria absoluta, ficou com as mãos mais livres para fazer as suas derivas à Direita. Podemos dizer que as condições para os sindicalistas e para o mundo do trabalho e para os enfermeiros, as condições políticas, são piores no quadro de uma maioria absoluta. Agora, independentemente do partido que suporta o Governo, das maiorias absolutas ou relativas, nós temos sempre de, considerando esses fatores, tudo fazer para conquistar as melhores soluções. Claro que nos quadros de maioria absoluta é mais difícil e mais lento atingir os resultados, e às vezes não os atingimos mesmo porque o Governo tem laivos de arrogância e prepotência”, assinala.
O novo mandato que agora se aproxima coincide com novas Eleições Legislativas no país e, qualquer que seja o resultado, o candidato à Direção do SEP assegura: “Independentemente do Governo, o SEP vai continuar com objetivos muito claros, a menorizar os problemas dos enfermeiros e a discutir a conquista de soluções, e a tudo fazer, sempre com um plano, sempre com estratégia e tática, para conquistar as melhores soluções”.
As prioridades para os próximos quatro anos
Na senda de resolver os problemas dos enfermeiros, importa estabelecer prioridades para o novo mandato que se avizinha. Com o slogan A nossa lista conquista direitos e o tempo dá-nos razão, a lista A está segura das suas prioridades. “A primeira é intervir em torno do designado acelerador das progressões, esta coisa de mudar de posição com 6 pontos, e de intervir, tal é a dimensão das dúvidas e das injustiças que a lei traz. […] Dado o conjunto de injustiças e desigualdades que o Governo impôs na lei, o SEP vai ter de intervir num quadro difícil porque é uma lei geral para toda a Administração Pública. Vamos ter de intervir para conseguirmos uma aplicação do que for legalmente defensável, o melhor possível para os enfermeiros”, começa por referir José Carlos Martins. Depois, outra prioridade que “também está em andamento, tem que ver com a alteração do SIADAP: o Governo está a negociar com dirigentes sindicais da Administração Pública uma alteração à Avaliação do Desempenho. Os enfermeiros estão muito mais sensíveis ao SIADAP porque já percebemos todos que a progressão no salário está indexada ao SIADAP e, por isso, os enfermeiros têm de se interessar pelo SIADAP porque isso é que determina o andamento no salário”.
E porque a necessidade de enfermeiros nos serviços continua a ser sentida todos os dias, o candidato avança que “a ‘guerra’ pela contratação de mais enfermeiros e a resolução dos vínculos precários é uma questão permanente”. Finalmente, destacam-se ainda as questões de fundo da carreira, que se prendem, na visão da lista que o sindicalista encabeça, com uma alteração pontual à carreira: “Dizemos que é uma alteração pontual porque não é uma alteração estrutural. Os pontos negativos desta carreira estão mais do que identificados, do ponto de vista salarial e do ponto de vista do desenvolvimento profissional, e teremos de iniciar um processo de discussão de várias matérias que são relevantes para as questões da carreira”.
E de que modo será feito?
“Passa, desde logo, inevitavelmente, pela valorização do trabalho dos enfermeiros, ou seja, por uma alteração à grelha salarial. Já temos indicadores claros para todos os enfermeiros. Alterar a grelha tendo por base a reposição da paridade com a carreira técnica da Administração Pública, com outras carreiras de profissionais de saúde, tendo em consideração a questão da dedicação plena ou da exclusividade consignada na Lei de Bases [da Saúde] para todos os profissionais”, conclui José Carlos Martins.