7 Março, 2024
Conclusões do estudo “Evolução da situação da mulher no trabalho”
A vida das mulheres trabalhadoras piorou no último ano: há mais desemprego, mais precariedade, mais pobreza e exclusão social, e menos proteção no desemprego. As mulheres continuam a perder poder de compra.

Emprego, desemprego, proteção social e precariedade

As conclusões do estudo “Evolução da situação da mulher no trabalho”, publicado pelo GES/CGTP-IN, não são animadoras. Em 2023 havia cerca de 183 mil trabalhadoras desempregadas no nosso país, correspondendo a mais de metade dos desempregados (53%). Cresceram 11 mil em relação a 2022 (uma subida de 6,3%).

Mais de um terço (38%) estão desempregadas há um ano ou mais.

A taxa de desemprego aumentou para 6,5%, sendo mais alta entre as mulheres (6,9%) e particularmente elevada entre as jovens com menos de 25 anos (19,8%).

Havia também 99 mil trabalhadoras subempregadas a tempo parcial, 61 mil desempregadas desencorajadas e 19 mil inativas não disponíveis, sendo as mulheres também a maioria em cada um destes grupos.

Conjuntamente com as desempregadas, perfaziam perto de 362 mil trabalhadoras subutilizadas por motivo de desemprego ou por trabalharem menos horas do que desejariam, crescendo também face a 2022 (mais 4,1%). Como resultado, a taxa de subutilização do trabalho subiu para 13,2%, sendo também mais alta do que entre os homens.

Subutilização do trabalho por componente e sexo

Fonte: INE, Inquérito ao Emprego – 2023

A cobertura das prestações de desemprego desceu em 2023, atingindo apenas 38% do número real de mulheres desempregadas (face a 40% em 2022). Quase metade das mulheres desempregadas (47%) auferia no máximo 500 euros de prestação, uma percentagem ainda mais elevada do que a verificada entre os homens desempregados (38%).

Baixos valores das prestações de desemprego, inclusivamente inferiores ao limiar de pobreza, e cobertura muito insuficiente, resultam numa elevadíssima taxa de pobreza entre as mulheres desempregadas: 44% mesmo após transferências sociais.

O emprego aumentou 2% em 2023 (2,2% entre as mulheres trabalhadoras), mas sobretudo à custa dos vínculos precários, já que três em cada quatro trabalhadores encontraram emprego com contratos não permanentes.

No seu conjunto, os vínculos precários atingem cerca de 740 mil trabalhadores no nosso país, numa estimativa que peca por defeito. Perto de 387 mil são mulheres (52% do total).

A precariedade está a crescer, sobretudo entre as mulheres, quer em número (mais 31 mil trabalhadoras com vínculos precários face a 2022, ou seja, mais 8,7%), quer em incidência (passou de 16,6% em 2022 para 17,7% em 2023 entre as mulheres trabalhadoras, sendo de 17% entre os homens trabalhadores).

A precariedade laboral é mais elevada entre as mulheres de todos os grupos etários, assumindo maiores proporções entre as mais jovens: entre as jovens trabalhadoras com menos de 35 anos atinge os 36% (31% entre os jovens trabalhadores), aumentando para os 57% quando se considera apenas o grupo com menos de 25 anos (51% entre os jovens trabalhadores desta faixa etária).

Trabalhadores por conta de outrem segundo o tipo de contrato de trabalho

Fonte: INE, Inquérito ao Emprego – 4.º trimestre de 2023. Nd: não disponível.

A precariedade continua a ser a principal causa de desemprego (46% em 2023), sendo também responsável por salários inferiores aos já de si baixos salários dos trabalhadores com vínculos permanentes. De acordo com o INE, no 4.º trimestre de 2023 as mulheres trabalhadoras com vínculos precários auferiam apenas 806 euros em termos líquidos por mês, correspondendo a menos cerca de 20% do que auferiam as trabalhadoras com vínculos permanentes (965 euros) e a cerca de menos 30% que o auferido pelos homens trabalhadores com vínculos permanentes (1.166 euros), dadas as discriminações de que são alvo.

Rendimento salarial médio mensal líquido da atividade principal dos trabalhadores por conta de outrem segundo o tipo de contrato de trabalho, por sexo

Fonte: INE, Inquérito ao Emprego – 4.º trimestre de 2023.

Além dos salários serem baixos, não recuperaram ainda o poder de compra perdido desde 2022. De acordo com cálculos do INE com base na Declaração Mensal de Remunerações da Segurança Social e na Relação Contributiva da Caixa Geral de Aposentações1, a remuneração média base perdeu 2,2% do seu poder de compra entre 2021 e 2023, uma vez que os salários não acompanharam o aumento dos preços entretanto verificado.

Mas para muitas trabalhadoras e suas famílias a perda de poder de compra terá sido superior, uma vez que os preços dos bens alimentares – que pesam mais entre as famílias com menores rendimentos – aumentaram mais do que a média do aumento de preços que serviu de base a este cálculo. Acresce que o cabaz de referência para o cálculo da inflação não inclui as prestações para amortização e pagamento de juros dos empréstimos para compra de casa que impendem sobre muitas famílias.

Salários, horários de trabalho e teletrabalho

Vários indicadores mostram que os salários das mulheres trabalhadoras são ainda mais baixos do que os pagos aos homens trabalhadores.

Segundo o INE, o rendimento médio salarial líquido2 das mulheres (apenas 965 euros no 4.º trimestre de 2023) é inferior em 15% ao dos homens (1.140 euros).

Os Quadros de Pessoal de 2022 apontam para um diferencial de 13,4% em desfavor das mulheres no salário base bruto, não se registando melhorias face ao ano anterior.

O diferencial é de 163 euros, em média, mas que entre os quadros superiores chega aos 644 euros (um diferencial de 25,2% que se agravou face a 2021 em 0,7 pontos percentuais). Entre os quadros médios é de 15,3%, também se tendo acentuado em relação a 2021, e de 15,5% entre os profissionais altamente qualificados. Os trabalhadores não qualificados têm uma das diferenças mais pequenas (4,8%) devido à existência do salário mínimo nacional.

Mais de um quinto (22%) das trabalhadoras do setor privado auferia apenas o salário mínimo nacional no 1.º semestre de 2023, num total de 417 mil, face a 19,5% dos homens trabalhadores, de acordo com dados do ISS/MTSSS.

As que recebiam acima do salário mínimo (760 euros em 2023) também tinham salários muito baixos e eram em número considerável. Assim, 46% das trabalhadoras recebiam no máximo 800 euros de salário base bruto e até 1000 euros eram 68%, num total de 1 milhão e 330 mil mulheres.

Como o quadro seguinte mostra, as mulheres trabalhadoras concentravam-se ainda mais do que os homens trabalhadores nos escalões mais baixos de remuneração.

Remuneração base mensal do trabalho dependente – novembro de 2023

Fonte: MTSSS, Instituto de Informática (com base nas Declarações de Remunerações à Segurança Social)

Os baixos salários, além atirarem para a pobreza uma em cada dez trabalhadoras, obrigam muitas a ter mais do que um emprego. Em 2023, 128,5 mil mulheres trabalhadoras tinham uma segunda actividade profissional, um aumento de 22% face a 2021 (mais 23 milhares). Elas constituem 51% do total de 251 mil trabalhadores com uma segunda atividade.

O peso do segundo emprego no total das mulheres trabalhadoras passou de 4,5% em 2021 para 5,2% em 2023, acompanhando o aumento do custo de vida.

Também nos horários e organização do tempo de trabalho não houve melhorias.

Portugal continua no pódio desonroso dos países da União Europeia onde se trabalha habitualmente mais horas por semana a tempo completo: 41 horas semanais, em média, para os trabalhadores por conta de outrem do conjunto dos setores.

Na agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca o tempo de trabalho habitual chega às 42 horas3.

Mais de 59% dos trabalhadores por conta de outrem trabalha entre 36 e 40 horas (mas esta percentagem inclui o trabalho a tempo parcial) e 16% trabalha 41 ou mais horas.

As mulheres trabalhadoras continuam a ter uma duração de trabalho habitual ligeiramente mais baixa do que os homens trabalhadores (40 horas, em média, subindo para as 41 horas na agricultura, produção animal, floresta e pesca), dado que as mulheres desempenham as tarefas no seio da família mais frequentemente.

Os horários de trabalho são altamente desregulados.

Perto de 1 milhão e 800 mil dos trabalhadores por conta de outrem em Portugal trabalham por turnos, à noite, ao sábado ou ao domingo ou numa combinação destes tipos de horários, 872,6 mil dos quais são mulheres (49% do total).

Mais de 737 mil mulheres trabalham ao sábado, cerca de 484 mil ao domingo, perto 409 mil ao serão, 320 mil por turnos e 157 mil à noite.

É entre as mulheres que este tipo de horários mais tem crescido nas últimas duas décadas, abrangendo 41,4% do total das mulheres assalariadas em 2021, percentagem que sobe para cerca de 45% nos serviços, setor que abrange 90% das trabalhadoras com este tipo de horários, no total das actividades.

Na agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca, são 31,5% as mulheres com este tipo de horários e, na indústria, 23,6%4.

Mulheres trabalhadoras por conta de outrem segundo o tipo de horário de trabalho

Fonte: INE – Inquérito ao Emprego. Nos valores em milhares, a soma dos diferentes tipos de horário é superior ao total porque um mesmo trabalhador pode ter mais do que um dos horários considerados. Nd: não disponível.

No 4.º trimestre de 2023, uma em cada cinco mulheres (19,6% do total das mulheres empregadas) trabalhou em casa, num total de 485,2 mil mulheres, a esmagadora maioria das quais (457,7 mil) em teletrabalho (18,5% do emprego feminino). No seu conjunto, o teletrabalho abrangeu perto de um milhão de trabalhadores (929 mil) no nosso país (17,8% do emprego total), representando as mulheres 52% do total.

Das mulheres que trabalharam em casa, 24,5% fê-lo sempre, 33% regularmente em diferentes modalidades (ver quadro), perto de 28% fora do horário de trabalho e 14% pontualmente.

O número médio de dias em teletrabalho foi de três.

Trabalho a partir de casa e teletrabalho

Fonte: INE – Inquérito ao Emprego. § Dados com fiabilidade reduzida

5 Março 2024
CIMH/CGTP-IN
(Estudo do GES/CGTP-IN)

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1 Publicação Remuneração bruta mensal média por trabalhador – dezembro de 2022

2 Ver quadro anterior.

3 Fonte: Eurostat, Labour Force Survey e INE, Inquérito ao Emprego.

4 Os dados Inquérito ao Emprego referentes aos tipos de horário de trabalho são bianuais. Os últimos disponíveis são referentes a 2021.