Estudo de Eugénio Rosa quantifica a perda do poder de compra da Administração Pública entre 2011 e 2024.
A primeira constatação é que a variação na remuneração base média mensal ilíquida dos trabalhadores da administração publica foi muito desigual entre 2011/2024.
A segunda é que a perda de poder de compra foi maior nos trabalhadores mais qualificados que vão receber em 2024 menos €1.183 milhões do que receberiam se tivessem, pelo menos, mantido o poder de compra que tinham em 2011.
É evidente a crise da Administração Pública, a falta de trabalhadores nomeadamente com mais qualificações e competências e a perda continua do seu poder de compra.
Os sucessivos governos têm reduzido o défice e a dívida publica fundamentalmente à custa dos trabalhadores da Administração Pública, não aumentando as suas remunerações para, pelo menos, compensar a inflação.
Este mesmo caminho parece ser a opção do atual governo que já anunciou e comprometeu-se, em Bruxelas (19 de junho) em continuar as políticas de diminuição da dívida pública com o objetivo de atingir os critérios dos tratados europeus. Manter este objetivo é manter a desvalorização do poder de compra dos trabalhadores, é não apostar na valorização dos serviços públicos e nas funções sociais.
O quadro 1, com dados publicados pela Direção Geral da Administração e Emprego Publico (DGAEP) do Ministério das Finanças, referentes ao 1º Trimestre de 2024, revela uma realidade que está a contribuir para agravar a existente grave crise que enfrenta toda a Administração Publica e é uma das razões da sua falta de atratividade nomeadamente para trabalhadores com maiores qualificações e competências.
Quadro 1 – Variação na Remuneração base média bruta (ilíquida) dos trabalhadores da Administração Pública e do seu poder de compra entre 2011 e 2024 por categorias.
Como mostra os dados do quadro (DGAEP), entre 2011 e 2024, a variação da remuneração base média mensal bruta dos trabalhadores das Administrações variou entre -12,7% para o “Pessoal de investigação científica” e +40,4% para os “Assistente operacional/Operário/Auxiliar”, este último determinado pelo aumento do salário mínimo nacional.
Se deduzirmos às remunerações base médias de 2024 a inflação verificada entre 2011 e 2024 segundo o INE, concluímos que a perda do poder de compra varia entre -31,5% e -0,2%.
Apenas o “Outro pessoal de segurança” e os “Assistentes operacionais/operários/auxiliares” é que tiveram aumentos de poder de compra, embora as suas remunerações sejam muito baixas.
É significativa a perda de poder de compra dos dirigentes da Administração Pública (entre 14,6% e 16,1%). Como é possível ter bons dirigentes assim?
Um outro aspeto importante que revelam os dados é que, de uma forma geral, a perda é tanto maior quanto mais elevada é a qualificação do trabalhador. A política de remunerações dos sucessivos governos não tem tido como objetivo atrair trabalhadores qualificados, muito pelo contrário, visa objetivamente afastá-los e expulsá-los.
A situação das Forças de Segurança e Forças Armadas e dos Profissionais de Saúde
O quadro 2 mostra a situação dos setores da Administração Pública que estão em maior confronto com o governo (incluímos as Forças Armadas porque é impensável atualizar as Forças de Segurança e “esquecer” os militares).
Quadro 2 – Variação do poder de compra da Remuneração média e do Ganho médio brutos entre 2011/2024
Fonte: DGAEP – SIOE – 1º Trimestre de 2024(dados disponíveis em 22-04-2024) – Ministério das Finanças e INE (inflação)
Como revelam os dados do quadro, nestes setores da Administração Publica – Forças Armadas, Forças de Segurança, Profissionais de saúde – as categorias que perdem mais poder de compra entre 2011 e 2024, são as dos postos mais elevados (oficiais, chefes, sargentos), e a nível de profissionais de saúde são os médicos e os técnicos superiores de saúde. Outra conclusão importante é que a perda de poder compra médio nestas categorias entre 2011 e 2024 que para os médicos varia entre 10% e 15% é mais do dobro da perda de poder compra médio em todas as Administrações Públicas (nas Administrações Públicas: -3,5% no Ganho medio mensal bruto; -6,1% na remuneração base media mensal bruta).
Os trabalhadores da administração pública vão receber em 2024 menos 1185 milhões € do que receberiam se o poder de compra que tinham em 2011 fosse mantido.
Para que o poder de compra da remuneração media mensal bruta dos trabalhadores das Administração Públicas fosse igual ao de 2011, teria de ser aumentada em 113€. Multiplicando este valor pelos 748870 trabalhadores que existiam em março de 2024 e por 14 meses obtém-se 1185 milhões € a menos. Em relação aos médicos, para que a remuneração base media bruta tivesse em 2024 o mesmo poder de compra que tinha em 2011 era necessário um aumento na remuneração média de 525,5€ (+17,5%) por mês. Fazendo as mesmas contas para os 34.375 médicos do setor publico em março de 2024, eles vão receber menos 253 milhões €. É um valor bruto. Se deduzirmos a CGA e IRS, que o Estado retém, o valor líquido reduz-se apenas a 124 milhões€.
A variação dos contratos a prazo e da precariedade nas administrações públicas entre 2011/2024
O gráfico 1, dados da DGAEP, mostra a variação dos contratos a prazo nas Administrações Públicas
2024 (barra a verde) é o ano máximo de contratos a prazo. Mas esta não é a única forma de precariedade na Administração Pública. Ainda há outra que é enorme e que está oculta na rubrica/despesa “prestação de serviços”. Por ex. na ADSE, devido aos obstáculos postos pelo governo à contratação de trabalhadores, todos os anos a ADSE contrata a empresas de trabalho temporário pacotes de 20 000 horas que paga entre 7€ a 8€ à hora (os trabalhadores contratados a prazo pela empresa recebem menos).
Vários são os setores da Administração Pública, incluindo nós, enfermeiros, que estamos em negociação. Em setembro inicia-se o processo negocial anual com o objetivo de negociar os aumentos salariais anuais.
Todos nos lembramos que, durante a campanha eleitoral, o partido político que sustenta o atual governo comprometeu-se em valorizar as carreiras da administração pública e, ainda, a critica constante ao anterior governo pelas cativações que impediram o investimento público, incluindo em recursos humanos, em equipamentos e inovação.
Tanto nas negociações especificas da Carreira de Enfermagem como nas gerais da Administração Pública, a nossa determinação e disponibilidade para inverter a realidade que os números demonstram vão ser determinantes.