É com profundo pesar que a Direção Nacional do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses informa do falecimento do Dr. Paulo Catarino.
O “arquiteto” jurídico das várias carreiras de Enfermagem e de toda a legislação mais relevante dos últimos 50 anos na Enfermagem, incluindo o REPE e a Ordem dos Enfermeiros. Muito obrigado!
O Paulo, tantas vezes apelidado de dirigente sindical nas reuniões de negociação, retorquia que não se importava dessa condição de ser enfermeiro (só enfermeiros podem ser dirigentes sindicais). “Até sinto que sou um pouco”, dizia – mas, com a acutilância que ao longo dos anos sempre demonstrou, rapidamente os “adversários” percebiam que estavam perante um Ser-Humano de excelência. O seu espírito sagaz, a sua memória quase fotográfica, as suas visões de futuro, faziam dele, e no reconhecimento das suas competências, um adversário difícil. Era-lhe tão fácil invocar uma qualquer lei recente, como surpreender-nos com uma lei da década de 40 do século passado ou, até, qualquer Decreto Real que ainda não tenha sido revogado.
O pormenor da vírgula ou, quando tudo parecia perdido, acrescentar uma palavra que até poderia ser um “e” ou um “ou” – e que a sorrir justificava: “é importante porque deixa portas abertas para ações futuras”.
O Paulo foi, desde 1980, advogado, primeiro, do Sindicato dos Enfermeiros da Zona Sul e Açores, e depois do SEP, e responsável pelo contencioso. Nascido no Couço, trazia no peito o sentido de justiça, a defesa dos mais desprotegidos e da liberdade que, para aquelas gentes, só foi possível depois do 25 de Abril. As gentes do Couço “foram resistentes ao antigo regime”, e frisá-lo era um orgulho enorme para o Paulo.
O Paulo orgulhava-se de ter entrado na Faculdade de Direito quando ainda era um sonho para a maioria dos jovens portugueses: “Era preciso ser o melhor aluno da região e, ainda assim, fazer o exame de admissão na faculdade, cujos lugares estavam, na sua maioria, destinados à classe burguesa, aos filhos dos senhores”.
Já no plano profissional, foi jurista do Sindicato da Função Pública do Sul e Ilhas e, a partir do início dos anos 80, dedicou-se a “corpo inteiro” aos enfermeiros e à Enfermagem.
Os enfermeiros do Hospital Distrital de Faro que por ele foram defendidos no conhecido “caso Iria” (1984) reconhecem a excelência da sua intervenção.
Também, os enfermeiros que na década de 80 eram “Superintendentes” e passaram a Enfermeiros Supervisores em 1992 reconhecem a excelência da sua argumentação e fundamentação.
Foi com o Paulo que os enfermeiros adquiriram o direito a ser remunerados quando, em greve, prestavam serviços mínimos. Esse direito nunca mais o perdemos. Não foi fácil e resultou em mais uma batalha jurídica, argumentativa, que ganhámos. Foi em 1994 e, para que não houvesse dúvidas, a cada novo governo que tomava posse, era enviada a decisão do Tribunal que lhe / nos deu razão.
Todos nós, enfermeiros, lhe agradecemos por, na discussão e negociação do REPE, desenvolver a fundamentação que tornou possível consagrar: “A enfermagem registou entre nós, no decurso dos últimos anos, uma evolução, quer ao nível da respetiva formação de base, quer no que diz respeito à complexificação e dignificação do seu exercício profissional, que torna imperioso reconhecer como de significativo valor o papel do enfermeiro no âmbito da comunidade científica de saúde e, bem assim, no que concerne à qualidade e eficácia da prestação de cuidados de saúde” e, ainda, que o “especial risco a que os enfermeiros estão sujeitos é responsabilidade da entidade empregadora” (independentemente de ser pública, privada ou social).
Em 1998, o Paulo Catarino foi o responsável pela Lei Sindical mais progressista nos pós-25 de Abril. Quando a tendência era retirar direitos à representação coletiva dos trabalhadores, o Paulo esteve lá a defender os trabalhadores e as suas organizações representativas, fossem elas da CGTP, UGT ou independentes. O importante eram os trabalhadores.
Até por isso, tantas vezes foi incompreendido. O tempo deu-lhe razão.
O tempo também lhe deu razão quando, com a passagem dos hospitais a Sociedades Anónimas, sempre defendeu, escreveu e fundamentou que os enfermeiros com Contrato Individual de Trabalho eram, em última análise, Contratos de Trabalho para Funções Públicas. Foi o único de todos os juristas de sindicatos da Administração Pública que o defendeu. Levou quase 20 anos, mas hoje temos uma Carreira, o DL n.º 71/2019, que se aplica a todos, independentemente do vínculo, e a quase harmonização total dos direitos.
Após a publicação do DL n.º 80-B/2022 e a não resolução de injustiças relativas, fundamentou as razões pelas quais as instituições o deveriam fazer. De norte a sul não há uma única instituição que não assuma que está de acordo com a fundamentação do Paulo, poucas são aquelas que tiveram a coragem de a aplicar, mas há. Ainda assim, várias são já as decisões de diferentes tribunais que lhe/nos dão razão.
Como dizia o Dr. Paulo Catarino, “calma, vamos lá chegar. Vocês, sindicalistas, desenvolvam a vossa intervenção sindical. Nós faremos a intervenção jurídica”.
É já com muita saudade que nos falta a conversa conspirativa assente no seu percurso de vida refletiva, de estudo, e os seus conselhos.
À mulher e à filha um abraço forte de profundo agradecimento pelo tempo que ele “vos roubou” para dar à Enfermagem e aos enfermeiros.
Ao Paulo, que nunca quis ter protagonismos, que raramente quis dar uma entrevista e que tantas vezes era incompreendido porque o seu pensamento estava 10, 20 anos avançado comparativamente àqueles que o ouviam, o nosso muito obrigado.
O SEP está mais pobre, a Enfermagem está mais pobre e, mais pobre está, também, o Movimento Sindical Unitário.
Até sempre, Paulo!