15 Setembro, 2016
PPP Escala Braga – Grupo Mello Saúde - A incontornável leveza de como se “explora” em prol do lucro.

 

 

Enfermeiros decidem Greve de 4 dias!

A introdução do conceito e dos mecanismos legais e operacionais necessários ao estabelecimento de “parcerias Público-Privadas” (PPP) na saúde, visou promover formas inovadoras de partilha do risco para a prestação de cuidados de saúde, como novas experiências de gestão, bem como a participação do sector privado na concepção, construção, financiamento e exploração de unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Estas parcerias acontecem e desenvolvem-se sob a orientação do Ministério da Saúde sendo que, são as Administrações Regionais de Saúde que assumem o papel do Estado enquanto entidade contratante.

Apesar do investimento e exploração destas unidades ser privado, o acesso aos serviços clínicos é o mesmo disponível nas restantes unidades hospitalares do sector público, ou seja, os utentes mantém os direitos e deveres previstos no acesso ao SNS.
O modelo contratual de PPP para os primeiros hospitais lançados a concurso, onde se inclui a PPP Escala Braga, baseou-se num contrato de gestão para a concepção, construção, financiamento, conservação e exploração dos edifícios hospitalares, incluindo a prestação de cuidados.

SEP | Modelo contratual PPP Braga

Dada a abrangência e a natureza distinta do conjunto de actividades que compõem o objecto deste tipo de contratos, a parceria concretiza-se e desenvolve-se através de duas entidades gestoras com responsabilidades diferentes e delimitadas, num quadro de articulação e complementaridade. Com vocações operativas claramente diferentes, o contrato tem também horizontes temporais distintos para cada uma das duas entidades gestoras, mecanismos de pagamento igualmente distintos, gerando fluxos de pagamento independentes, de modo a permitir uma adequada afectação entre as duas entidades gestoras dos riscos transferidos pela entidade pública contratante.

Assim, cada uma das componentes destes contratos de PPP é implementada:

  • Por uma Entidade Gestora do Estabelecimento, que assume a aquisição e financiamento do equipamento médico necessário ao funcionamento da unidade hospitalar e a gestão da prestação dos serviços clínicos durante um período de 10 anos;
  • Por uma Entidade Gestora do Edifício, que assume a prestação dos serviços infra-estruturais durante um período de 30 anos, sendo responsável pela concepção, construção, financiamento e manutenção do edifício.

Relativamente à Entidade Gestora do Estabelecimento, os pagamentos pelo Estado são baseados na produção clínica efectivamente realizada por grandes linhas de actividade (internamento, consulta externa, urgência e hospital de dia) e pela disponibilidade do Serviço de Urgência. Por seu turno, a remuneração da Entidade Gestora do Edifício é baseada na disponibilidade da infra-estrutura.


A PPP de Braga

De acordo com a Administração, num dia:

  • São efectuadas 532 urgências sendo que destas 401 são adultos e 131 são crianças;
  • São efectuadas 88 cirurgias das quais 51 são efectuadas em ambulatório;
  • São efectuados 7 partos;
  • São efectuadas 272 sessões de hospital de dia.

Relativamente a indicadores de desempenho, o hospital responde diariamente a 97 indicadores de desempenho de qualidade definidos no contrato de gestão da PPP. São definidos, anualmente, valores de referência com a entidade contratante e estão sujeitos a penalizações por incumprimento até 5% do valor da produção contratada.

Desenvolvem projectos em várias áreas, receberam distinção máxima em seis áreas clínicas e nos inquéritos efectuados junto aos utentes, em 2015, constata-se ao grau de satisfação nomeadamente na cirurgia de ambulatório, consultas, hospital de dia, internamento (muito bom) e urgência (bom).


Situação Financeira da PPP Escala Braga

Ainda, de acordo com a Administração, em 2014, o saldo foi positivo (lucro) foi de 6,7 milhões de Euros e em 2015 foi 7 milhões.

Recentemente, o Grupo Mello Saúde anunciou um lucro de 12,6 milhões de euros.

Os motivos da revolta dos enfermeiros

Desde a constituição da PPP Escala Braga que os enfermeiros em conjunto com o SEP foram desenvolvendo acções com o objectivo de ultrapassar vários problemas, normalmente sem muito sucesso, única e exclusivamente da responsabilidade da entidade gestora:

  • Horário de Trabalho – apesar da negociação de um Regulamento de Horários de acordo com a legislação em vigor, a Administração nunca o aplicou, promovendo a total desregulamentação que hoje é a realidade dos enfermeiros. Turnos de 12 horas, convenientes, principalmente, ao Grupo Mello porque diminuem as necessidades de contratação mas que sobrecarrega os enfermeiros, e outras cargas diárias de trabalho de 6h, 8h, 10h, 12,30h de acordo com as necessidades da organização;
  • Horas a mais – a acumulação de horas que atingiu as 30.940 horas (13 de Setembro), o equivalente a 214 enfermeiros que deveriam estar a exercer funções de carácter permanente na instituição. Estas horas, são horas efectuadas para além da carga horária contratualizadas pelos enfermeiros, horas extraordinárias, portanto!
  • Carência de enfermeiros – o elevado número de horas extraordinárias é demonstrativo da carência de enfermeiros. Apesar de, por várias vezes solicitado, continuam por ser aplicadas as fórmulas de cálculo para assegurar Dotações Seguras. Importa acrescentar que as características físicas do hospital – corredores longos e enfermarias com dotação para 1 e 2 doentes, seguramente mais confortáveis e humanas para os doentes e famílias – determinam um maior número de enfermeiros.
  • Avaliação do Desempenho dos Contratos Individuais de Trabalho – efectuada anualmente sem que os enfermeiros, na sua globalidade, conheçam as “regras do jogo”;
  • Avaliação do Desempenho dos Contratos de Trabalho em Funções Públicas – a sua operacionalização é inexistente colocando em causa o desenvolvimento destes enfermeiros na carreira;
  • Atribuição de prémios pecuniários aos enfermeiros a CIT – em 2015, referente ao ano 2014, a Administração decidiu atribuir “prémios” a estes profissionais, mais uma vez, sem que os critérios tenham sido explicitados, sem transparência e por isso, discriminatório. Há enfermeiros que foram excluídos desta “distribuição da riqueza produzida” devido a períodos de ausência, justificada.
  • Valorização salarial – em Junho 2016, o salário de 60 enfermeiros viram foi “aumentado” para o actual valor de referência dos 1201€. Sem qualquer valorização ficaram cerca de 250 enfermeiros, sem qualquer fundamentação, ainda que na sua maioria já exerçam funções há 7 anos e, destes, muitos já exerciam funções no então Hospital de São Marcos. Mais uma vez, ficaram excluídos enfermeiros, dos quais alguns estiveram ausentes por gravidez de risco e outras ausências justificadas. Ou seja, a Entidade Gestora da PPP de Braga continua a discriminar os enfermeiros
  • Efectivação das 35 horas para os Contratos de Trabalho em Funções Públicas – apesar da entrada em vigor, a 1 de Julho, do Período Normal de Trabalho de 35 horas, os enfermeiros com CTFP continuam a ter dificuldade em efectivar esse horário face à carência já demonstrada.


As exigências dos Enfermeiros

No essencial, o respeito pelo trabalho desenvolvido e o fim à discriminação inter pares e comparativamente a outros. Em concreto:

  • Admissão de mais enfermeiros de acordo com as necessidades e as características físicas do hospital que permita, finalmente, diminuir o risco e a penosidade inerente ao exercício da profissão de enfermagem;
  • Fim das admissões a recibo verde já que todos os admitidos são necessários para fazer face a necessidades próprias de natureza permanente. Mais, as admissões a recibo verde constituem mais uma forma de desregulamentação do trabalho já que a estes enfermeiros, enquanto “empresários” individuais, são “convidados” a fazer mais horas (ganham por numero de horas de trabalho) o que demonstra a filosofia do Grupo privado que gere o hospital;
  • Pagamento imediato das 30.940 horas em divida e nos termos legais, ou seja, como trabalho extraordinário;
  • Negociação de um Regulamento de Horários que ponha cobro à exigência de disponibilidade total para o trabalho de forma a permitir aos enfermeiros tempos de descanso;
  • 35 horas para todos os enfermeiros já que esse é o PNT de referência consagrado na Carreira Especial de Enfermagem;
  • 1201,48€ para todos os enfermeiros pondo fim a uma discriminação imposta pela entidade gestora a cerca de 250 enfermeiros na instituição e quando esse já é o valor do trabalho de todos os enfermeiros no país.


As respostas da Administração

Estas exigências foram colocadas pelo SEP na reunião mantida com a Administração da PPP de Braga. À data, o SEP, num quadro de transparência anunciou a decisão do plenário de enfermeiros de emitir um período de Greve de 4 dias, de 13 a 16 de Setembro.

Num quadro de boa-fé negocial, a emissão desse pré-aviso de greve foi suspenso para que a reunião, entretanto agendada para 13 de Setembro, decorresse em condições “confortáveis”.

A 13 de Setembro, a Administração reitera as dificuldades financeiras da PPP de Braga, esquecendo os 12,6 milhões de euros de lucros anunciados pelo José de Mello Saúde, os saldos positivos dos anos anteriores e responde com “uma mão cheia de… nada”!


Propõe:

  • Admitir enfermeiros mas não apresentam nenhum plano de admissão nem referem número de enfermeiros a admitir.
  • Pagar apenas 12 das quase 31 mil horas em divida, em tranches de 3000/mês até ao final do ano e como trabalho normal. As restantes seriam pagas durante o ano de 2017 e talvez 2018.
  • Não aceitam “trancar” o número de horas em divida aos enfermeiros e consagrar de imediato horários de trabalho com uma variação de mais ou menos 16 horas (2 turnos de 8 horas).
  • Não respondem de forma concreta à exigência de aplicar os 1201€ a todos os enfermeiros, sugerindo que poderia ser feito de forma faseada nos próximos anos;
  • Quanto aos enfermeiros admitidos só após 2 anos de exercido de funções e avaliação do desempenho positiva, o salário passaria a ser 1201€.
  • Repestinar o regulamento de horários negociado com o SEP e apresentar uma nova proposta.
  • A possibilidade de discutir os critérios de avaliação do desempenho dos CIT com objectivo de garantir maior transparência na sua aplicação.


Perante este cenário e porque os enfermeiros:

  1. Têm contribuído para a excelência que tanto orgulha a administração da PPP de Braga;
  2. Têm contribuído para os saldos positivos de milhões de euros, nos últimos anos, da PPP de Braga;
  3. Apesar de exigirem, ao longo dos últimos anos, a resolução de vários problemas, administração nada fez para melhorar as condições de trabalho dos enfermeiros, pelo contrário, agravou-as;
  4. Trabalham num hospital que pertence à rede pública de hospitais;
  5. Prestam cuidados de saúde e de enfermagem aos utentes que, afinal, são utentes do Serviço Nacional de Saúde, contribuintes directos e indirectos para os saldos positivos da PPP de Braga;
  6. Não aceitam a discriminação a que estão sujeitos – o suposto saldo negativo e as dificuldades financeiras da PPP de Braga não impede que trabalhadores de outros grupos profissionais sejam aumentados no valor/hora do seu trabalho;
  7. Exigem ter tempos de trabalho e descanso como todos os trabalhadores deste país;
  8. Exigem um período normal de trabalho de 35 horas, tendo já apresentado requerimentos nesse sentido;
  9. Exigem a valorização do trabalho, das competências, qualificações e conhecimentos dos Enfermeiros Especialistas “utilizados” para melhorar a produção, os tempos médios de internamento, os cuidados prestados e a excelência do hospital sem qualquer compensação;
  10. Exigem conhecer todas as “regras” com que são avaliados;
  11. Com CTFP também exigem ser avaliados.


Decidem avançar para uma GREVE de 4 dias a concretizar nos dias 29 e 30 de Setembro e 3 e 4 de outubro.

Os enfermeiros responsabilizam a Administração por esta Greve mas não só. Responsabilizam também, o Ministério da Saúde e a ARS do Norte que assumem o papel do Estado enquanto entidade contratante. É inadmissível que o Estado permita que os profissionais que prestam cuidados aos cidadãos contribuintes, utentes do SNS e num hospital da rede pública de hospitais sejam explorados e discriminados sem que nada fazer e sem que imponha condições que obrigue a melhorar as condições de trabalho.

Esta realidade do “deixar andar” da entidade contratante é a prova mais clara para aqueles que amiúde defendem que o Estado deveria deixar de ser prestador para assumir apenas o papel de regulador. Estamos a imaginar a realidade da PPP de Braga multiplicada por todos os hospitais do SNS? Seria colocar os lucros dos Grupos Privados e dos accionistas à frente das necessidades em cuidados de saúde dos portugueses e dos direitos dos trabalhadores.

Nota entregue à Comunicação Social na Conferência de Imprensa a 15 de Setembro de 2016