21 Dezembro, 2022
Entrevista da Enfermeira Marlene Viegas na rubrica Enfermeiros com Voz do número 120 da revista "Enfermagem em Foco".

 

 

Fiz parte do sindicato e andei em luta pela carreira e por ganhos salariais mas fiquei sempre muito frustrada. Tirei o mestrado em cuidados paliativos, que fui eu que o paguei, e fiz depois uma especialidade em enfermagem de reabilitação, que também fui eu que paguei, a trabalhar e a estudar ao mesmo tempo e a fazer os estágios e isso nunca foi reconhecido. Depois de ter saído de Portugal, conseguimos ter as 35 horas e os 1.200 euros mas aí já não estava no país. 

Quando cheguei cá, fui muito bem acolhida pela equipa – e isso é transversal a qualquer português aqui, ser bem recebido. O nosso nível de formação é muito bom. Este é um hospital público, do Estado, e depois há hospitais privados e tudo se baseia nos seguros de saúde. Todas as pessoas aqui têm um seguro de saúde. É uma discussão que já vem desde 1890, pelas questões dos acidentes, de doença e, em 1994, a população votou por um seguro de saúde obrigatório.

 

Já assistiu a situações em que não são prestados determinados cuidados pela ausência de determinado seguro/plafond?

Eu era uma defensora acérrima do SNS, em Portugal, o sindicato sempre promoveu essa luta a favor do SNS mas vou dar-lhe um exemplo prático. O meu marido não tinha médico de família em Portugal e aqui toda a pessoa tem médico de família, somos nós que escolhemos o nosso médico de família. É uma coisa simples, vamos ao Google, vemos onde há médicos, telefonamos para lá e o médico aceita ou não, consoante a sua agenda. São gabinetes médicos privados, com acordo com o seguro, está incluído no seguro. 

 

Mas há franjas da sociedade que não conseguem pagar esse seguro de saúde?

Não. Mensalmente, o seguro deve rondar os 250 francos, o que é quase insignificante no sentido em que um salário de alguém que ganhe muito mal ronda os 4.000 e pouco. Não há ninguém que fique sem cuidados de saúde. A Suíça recebe refugiados e esses refugiados têm acesso à saúde como qualquer outra pessoa.

Um seguro básico dá acesso a todo o tipo de cuidados de saúde mas, não importa se é caro ou não, não dá acesso a cuidados dentários. É uma das coisas que muitas pessoas reclamam. Quando há alguns cuidados que o seguro não dá, as pessoas podem contratualizar os complementares. Acho que ninguém fica por receber cuidados, as consultas são muito céleres a marcar.

Comparando o que ganhas e o que pagas de seguro de saúde e os benefícios que podes ter, eu prefiro ter o seguro de saúde. E se tivesse algum tipo de doença grave, eu ficaria na Suíça. Um exemplo concreto: tivemos uma doente portuguesa com cancro. Ela foi passar férias a Portugal, na região centro, Figueira da Foz, talvez, e a situação agravou-se e o helicóptero foi buscá-la para ela vir para cá. Isso está tudo incluído. É claro que custa estares sempre a pagar, mas estás a usufruir de um sistema que sabes que, à partida, tens resposta. Se não gostares do teu médico de família podes trocar. Em Portugal, muitas vezes não tens ou tens de ir a uma consulta de recurso, ir para lá às 5 ou 6 da manhã ou tens de ir a uma consulta de urgência. Aqui basta ligar ao médico. E há nuances consoante o pacote escolhido. 

 

Há grandes diferenças na prestação de cuidados das instituições públicas e das privadas?

Nunca trabalhei numa privada mas penso que a única diferença será a nível de hotelaria, conforto.

 

E não deteta diferenças ao nível dos recursos humanos alocados e de equipamentos?

Eu creio que não. 

Em Portugal, há a tendência para pensar que os cuidados no público e no privado são diferentes mas aqui não. Claro que, como em todo o lado, existem problemas, existem bons e maus profissionais, como em todo o lado. Os cuidados em Portugal não são piores que aqui. Eu fico triste porque nós não somos piores do que aqui na Suíça, o problema é uma questão de má gestão, de organização, de falta de planificação. Aqui, são suíços, e eu estou na parte francesa onde eles são mais latinos mas, na parte alemã, eles são muito rígidos na organização, muito estruturados. 

Nós, em Portugal, temos tão bons profissionais, médicos, enfermeiros, auxiliares, etc e depois parece que não anda e é isso que é triste. Eu não sou melhor enfermeira aqui do que lá, eu sou a mesma pessoa, só que aqui temos tudo. 

Em paliativos, temos doentes que precisam de exames de urgência, com rapidez e tenho os meus médicos a ligar para médicos especialistas a dizer: Olhe, preciso que me vejas este doente e nesse dia o doente é visto, coisas que em Portugal é impensável. O nosso hospital está numa cidade hospitalar, são vários edifícios. Eu já tive médicos, Professores Doutores, a vir expressamente para ver os nossos doentes enquanto, em Portugal, muitas vezes os doentes em internamento esperam por uma consulta de especialidade imenso tempo e os médicos estão no hospital, era só subirem um piso. 

Essa eficácia do funcionamento dos serviços de saúde na Suíça deve-se por um lado à questão das lideranças e por outro ao acesso estar associado aos seguros de saúde que, naturalmente, são muito mais exigentes no sentido das coisas acontecerem para minimizar custos, para satisfazer os clientes. São estes os dois fatores que funcionam para terem a perceção de que as coisas funcionam melhor.

 

O número 120 da revista Enfermagem em Foco está disponível aqui.