21 Abril, 2023
Enf.ª Fernanda Lopes: “Nós lidamos todos os dias com a fragilidade e isso faz com que os enfermeiros se voluntariem muito para crises humanitárias”

Entrevista da Enf.ª Fernanda Lopes na rubrica “Enfermeiros com Voz” do número 121 da revista “Enfermagem em Foco”.

 

As missões humanitárias estão ligadas às alterações climáticas?

Começo por referenciar que, efetivamente, os dois contextos em que tive intervenção humanitária tiveram a ver com alterações climáticas. O primeiro foi em 2017, e teve a ver com os incêndios de Pedrógão, que todos nós sabemos que foi num contexto que tem – embora isto seja difícil de admitir – a ver com alterações climáticas. Mais tarde, em 2019, no contexto do [ciclone] Idai, em Moçambique, teve a ver com as cheias e com os ciclones e todos sabemos também que tem a ver com as alterações climáticas que estamos a vivenciar.

 

O que viu no terreno?

O que vi é o que decorre do sofrimento humano, num contexto ambiental e social em que não há controlo, em termos humanos, não conseguimos controlar, de imediato, a situação que se está a vivenciar em crise, naquele preciso momento. É muito sofrimento humano, sofrimento físico, sofrimento psicológico, mental e social, é todo o contexto em que a saúde tinha de estar presente para haver bem-estar e não está. E tem de haver intervenção, no sentido de reduzir o risco de vida das pessoas. Toda a intervenção humanitária vai nesse sentido, intervir nestas grandes áreas para diminuir o risco de vida das pessoas.

 

E qual é, em específico, o papel dos enfermeiros?

Um contexto de emergência humanitária decorre da alteração do estado de saúde das pessoas e há uma intervenção em equipa multidisciplinar. Precisamos de todos, de todas as competências, do conhecimento de cada um decorrente do que será a sua intervenção humanitária, todas as intervenções necessárias para que consigamos trazer o bem-estar à população. 

O papel da enfermagem é importantíssimo, como não podia deixar de ser, porque nós estamos a lidar com um estado de fragilidade da pessoa, no contexto da população em que estamos a intervir, e temos esta sensibilidade, além dos conhecimentos e das competências, que decorrem da nossa prática, que é a intervenção na pessoa com fragilidade. 

 

Acha que o papel dos enfermeiros, nestas missões humanitárias, é devidamente valorizado?

Eu penso que sim, que o papel do enfermeiro é bastante valorizado até porque, na primeira linha, os enfermeiros são das pessoas que mais se voluntariam para estas situações. Eu recordo-me, e tenho na prática, o que foi a situação da emergência dos incêndios em Castanheira de Pera, no concelho em que intervim enquanto membro de uma associação humanitária, uma ONG, os Médicos do Mundo. 

Lembro-me que, nessa altura, 17 de junho de 2017, estávamos em época das férias da grande maioria dos estudantes e tivemos um grande número de voluntários que eram enfermeiros e que estavam a estudar enfermagem. Isso surpreendeu-me imenso. 

Isto já faz parte da essência do que é ser enfermeiro, ajudar na fragilidade, é algo para o qual somos treinados. Os enfermeiros têm esta motivação e esta vontade para lidar com a fragilidade do ser humano, nestes contextos.

 

Disse uma coisa muito interessante que foi que se apercebeu, nesses contextos, que se voluntariam sempre mais enfermeiros do que médicos, por exemplo. Diria que, à partida, um enfermeiro está sempre mais disponível e sensibilizado para estes contextos?

Eu acho que sim. Nós somos treinados para lidar com os utentes, na sua fragilidade, na sua grande maioria. Isto no contexto hospitalar, não tanto no contexto dos cuidados de saúde primários.

No contexto hospitalar, que é onde está a grande maioria dos enfermeiros, nós lidamos todos os dias com a fragilidade e isso faz com que os enfermeiros se voluntariem muito para estas situações de crises humanitárias e não tanto os médicos. Acho que tem um contexto social um bocadinho diferente, há menos disponibilidade e há menos envolvência para essas situações. 

Agora saindo um bocadinho do que é a intervenção humanitária, em catástrofe, eu trabalho, desde 2007, na instituição que já referi, com população vulnerável e fragilizada, pessoas sem-abrigo e trabalhadores sexuais, e, mesmo neste contexto, sempre apareceram muito mais enfermeiros para voluntariado do que médicos. Embora, nestes últimos anos, talvez nos últimos três ou quatro anos, já apareçam um bocadinho mais do que quando iniciei, em 2007.

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